terça-feira, 24 de junho de 2008

Ridicula Europa

Sílvia de Oliveira
Numa entrevista que deu este fim-de-semana ao jornal francês “Journal du Dimanche”, Jacques Delors enfiou o dedo na ferida.

O antigo presidente da Comissão Europeia defendeu a criação urgente na Europa de um mercado comum de energia e uma atitude concertada em relação aos grandes países produtores. Na sua opinião, a escolha é simples - “a sobrevivência pela união ou o declínio e a perda total da capacidade de influência”. A máxima da união aplica-se a quase tudo, mas na actual conjuntura, é à política de energia que serve que nem uma luva. As palavras ácidas de Jacques Delors são, por isso, de uma assertividade única: “Quando vejo este carrossel de países em torno de Putin e Medvedev, fico indignado. A Europa torna-se ridícula”.

O mundo está mergulhado num choque petrolífero que nos faz olhar para as anteriores crises como inocentes brincadeiras de crianças; e assiste-se a uma revolução do mapa geo-estratégico internacional, motivado também pela meteórica ascensão de novas potências económicas, como é o caso da Rússia. Isto, a juntar ao fim anunciado do reinado do petróleo como fonte de energia - será só uma questão de tempo -, sobra para dar uma nova e preocupante dimensão à enorme dependência energética da Europa e dos Estados Unidos.

É então caso para perguntar, parafraseando Jacques Delors, se não estará já a Europa a ser completamente ridícula ao embrenhar-se na discussão de uma constituição europeia, quando nem sequer se consegue entender sobre uma política sectorial? Não deveria a Europa, como sugere o antigo presidente da Comissão Europeia, voltar a estudar o velho Tratado de Paris, que deu origem à CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), ao mesmo tempo que consome energia no Tratado de Lisboa, vítima de vários ataques, o último dos quais liderado pela Irlanda? Deveria, só que a energia não é um negócio qualquer, é um sector estratégico, no seu significado mais lato, sendo aqui também a questão da perda de soberania o que verdadeiramente está em causa. Não é, aliás, por acaso que a França de Jacques Delors se empenha em engordar a sua Electricité de France (EDF), um colosso europeu com um apetite desmedido, considerando as sucessivas tentativas de compras, as mais recentes em Espanha ou Inglaterra. E isso o antigo presidente da Comissão Europeia não disse. Também não é coincidência que a Alemanha tenha alimentado exactamente a mesma política em relação à E.ON e à RWE. Pois é. Afinal, os dois países que em 1951 aceitaram integrar os respectivos mercados do aço e do carvão, transferindo direitos de soberania dos seus Estados para uma instituição europeia, estão agora, passados tantos anos, de costas voltadas. Qualquer projecto de união na energia fica-se pelas palavras bonitas. Há mais de 50 anos, o objectivo da criação da CECA era o de evitar uma nova Guerra Mundial. Hoje, o medo parece esgotar-se num apagão caso a Rússia decida voltar a fechar os seus ‘pipelines’. Ridícula Europa, é muito mais do que isso. Declínio, disse Delors.
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/editorial/pt/desarrollo/1138370.html

Comentários

vg
Ridículo é o sr Delors, que nunca conseguiu meter os dois maiores produtores europeus (Noruega e UK) na partilha europeia.E os egoísmos nacionais ,que nem conseguem pôr o já "decidido" Mibel em funcionamento,nem o cruzamento de participações accionistas ao longo da Europa.Este homens ,quando estão a cair da tripeça, sabem tudo.Tambem temos cá um...Que tem isto a ver com o Tratado de Lisboa?...

NapoLeão
E alguma vez o nosso mui ilustre Barroso aceitará um conselho de Delors ?É mais fácil o Benfica ser campeão europeus, 5 anos seguidos, do que a Europa parar para pensar !!!

SAMOT
Não há dúvida: os políticos devem saber distinguir o que é prioritário do que não é prioritário,neste caso a nível da UE.Pode haver Tratado de Lisboa, pode, mas se a UE não for capaz de resolver a «crise» energética o Tratado de Lisboa de nada lhe valerá. É isto não é? É.

jcabrita
Tem toda a razão mestre Delors. Enquanto cada pais olhar única e exclusivamente para o seu umbigo sem pensar nos outros a equipe nunca vai funcionar, e há quem esfregue as mãos de contente com isso.

jose pires
Até que enfim ,que um dos "iluminados" da Europa acordou, e já coméça a dizer "...que o Rei vai nú...",e se a Europa continuar por este caminho,ela com certeza auto anula-se,pois quando os Estados Europeus viram as costas á vontade das populações,estão a destruir a base do fundamento da U.E. ,a igualdade entre os povos ,e se isso não é respeitado,o destino da U.E. é a dissolução ,disse...

Jose
Parabéns. Excelente artigo. E o MIBEL que era uma prioridade de Barroso, Sócrates e tutti quanti?

Bailarina
Este Delors é mais um "guru" que ficou para a história como tal num período de "vacas gordas"...

Tanto mar
Em vêz do TGV apressado mas vazio, o investimento público e privado não deveria ser ainda mais rápido e cada vez mais alinhado pela velocidade da luz das energias verdes e azuis e mesmo um pouco mais alaranjadas como a nuclear? Talvez assim ainda pudessem restar algumas lampadas acesas às próximas gerações que por este andar poderão têr de usar lamparinas com cêra de abelhas ou de cebo de vacas.

Juca
O egoismo ente Alemaes e Ingleses causou duas grandes guerras mundiais.O egoismo dos paises da UE e em especial os da Gra Bretanha,Franca e Alemanha esta a travar o avanco da Europa.E grandes ameacas estao a surgir no mundo:China,India e Russia.Tenho serias duvidas de que os Europeus serao capazes de ultrapassar as grandes dificuldades.Sem os EUA a Europa hoje seria um imperio nazi ou comunista.

Mrrm
Durante o consulado de Delors (3 Comissões), na II comissão, foi assinada a Carta da Energia e o Comissário com a pasta era Cardoso e Cunha. Fizeram o que fizeram, num tempo em que as prioridades eram a preparação da U. Monetária e o alargamento a Leste. As propostas que se ouvem no seio da UE sobre energia vão desde o patético (sobre-imposto sobre o lucro das petrolíferas, excelente para aumentar mais o preço) até às parvoíces pegadas de Sarkozy, distraído com assuntos, convenhamos, bem mais apelativos. Quem lidera o processo, mas a partir duma base política frágil (não foi eleito) é Gordon Brown e, até ver, o Congresso (Senado e Cam. dos representantes) dos EUA, já que o problema é mundial. Agora a jornalista escrever que as anteriores crises da Europa foram brincadeiras de crianças...bem, ainda ontem vi o que sofreram os páras da 101º ao tentarem libertar a Holanda dos nazis. De certeza que os veteranos que lembram os seus mortos e os do inimigo têm uma opinião diferente. Só ali naquela batalha (operação Market Garden) combateram e morreram ingleses, americanos, alemães, holandeses e polacos. Não brinque é a senhora com o sangue de quem os libertou. O tema é bem escolhido e bastante quente, mas dispensa este género de infantilidades de muito mau gosto. MMartins-Sintra

Harf
O negocio da energia é muito mais que estratégico,é crucial.Com os tristes políticos que nos governam Putin,astuciosamente, vai fazer da Europa aquilo que a ameaça militar soviética nunca pôde.

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