quarta-feira, 11 de junho de 2008

Geostratégia em mudança

Bush está no fim.
Os Estados Unidos, felizmente, perderam as ilusões. As múltiplas crises que a globalização neoliberal, sob a hegemonia norte-americana, têm gerado, desacreditaram o sistema: o unilateralismo internacional, com a América do Norte, polícia do mundo – e a consequente marginalização das Nações Unidas – pertencem ao passado.
Assistimos ao nascimento de um outro mundo: multilateral, com vários países e blocos emergentes, concorrentes entre si, eventualmente conflituais, mas sujeitos às mesmas crises – terríveis, deste início de século –, e esperemos que se possam entender para lhes fazer face. Vivemos no mesmo mundo. O senso comum exige-o.
A opinião pública global começa a emergir e a ser actuante.
A crise toca-nos a todos, quase por igual. Sejam as alterações climáticas e as desordens ecológicas do planeta, seja a crise alimentar e o espectro da fome, seja a desregulação internacional, o terrorismo, os fanatismos religiosos, o acréscimo da violência ou a carência gritante de umas Nações Unidas incapazes de se reestruturar, na fidelidade à sua Carta, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Objectivos do Milénio.
A América do Norte, a cinco meses da escolha de um novo Presidente, suscitou no Ocidente uma pausa reflexiva, que esperemos seja criadora. A União Europeia, que podia – e devia – antecipar-se, continua paralisada, dada a mediocridade e falta de audácia dos seus principais dirigentes. Sem rumo nem vontade.
Pelo contrário, a Ibero-América, tantos anos esmagada pela «colonização» do vizinho do Norte, passada a época das ditaduras dependentes, instruídas pelos chamados «boys de Chicago», aproveitou os anos da distracção provocados pela guerra do Iraque para consolidar as suas democracias e emergir em força.
A variedade ibero-americana, na unidade de duas línguas em expansão, que podem entender-se entre si – o espanhol e o português –, tem sido um factor de riqueza, com a inovação e o génio criador dos respectivos povos mesclados: brancos, índios, negros, mulatos, asiáticos.
O Brasil, que é um colosso, pela largueza e riqueza do território, pela densidade populacional e pelo génio do seu Povo, é um exemplo, nos últimos anos, de progresso e de boa governação. O México, outro país emergente, na fronteira dos Estados Unidos, busca um equilíbrio e uma independência económica ainda não completamente atingidos. A Argentina, o Chile, o Uruguai, diversificam as suas alianças e têm hoje relações comerciais significativas com novos investidores como a China, o Japão, o Canadá, sem esquecer obviamente a Europa.
A Venezuela, com as maiores reservas petrolíferas do mundo, irrita especialmente a administração Bush, com a qual Hugo Chávez não tem sido especialmente meigo. Tem criado uma rede de solidariedades que vai de Cuba, na complexidade da fase pós-Fidel, à Bolívia de Evo Morales, um indígena à frente de um Estado ibero-americano, ao Equador, ao Paraguai, ao Haiti e à Nicarágua, sob o signo do chamado «socialismo bolivariano». E tem relações económicas relevantes, não apenas no plano energético, com a Rússia, a China, o Canadá e o Irão.
Na União Europeia, é com a Península Ibérica – Portugal e Espanha – que a Venezuela se tem entendido melhor.
É natural. As raízes contam. Mas outros países europeus estão a procurar desenvolvê-las. Zapatero, no encontro de Lima, fez as pazes com Chávez, transmitindo-lhe uma mensagem apaziguadora do Rei. Foi importante. A senhora Merkel seguiu o exemplo. A geopolítica global está em mudança, regressando aos valores éticos essenciais.
Bem agiu José Sócrates quando, acompanhado de ministros, empresários e técnicos, fez uma visita histórica a Caracas, altamente produtiva para Portugal. Para além de tudo o mais – que é muito – temos cerca de 600 mil portugueses a viver e a trabalhar na Venezuela...
Via: http://aeiou.visao.pt/Opiniao/mariosoares/Pages/Geostrategiaemmudanca.aspx

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