Miguel Pina e Cunha
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Uma das diferenças mais salientes entre os processos de desenvolvimento em curso na China e na Índia diz respeito ao papel da inovação e do conhecimento. Se a China tem vivido da vantagem de custo, apesar da recente tentativa de subida na cadeia de valor, na Índia a mudança tem uma base de conhecimento que interessa considerar.
A sofisticação desse conhecimento, cada vez mais notória, tem-se revelado num conjunto de inovações de gestão que vão surpreendendo o mundo. Neste texto, são destacadas duas ideias aparentemente simples mas dotadas de um considerável impacto potencial: o carro "low cost" e a exploração da base da pirâmide.
Uma das mais conhecidas inovações "made in India" é o já famoso Nano, o carro "low cost", anunciado em Janeiro deste ano pelo gigante Tata Motors. A reacção a este movimento foi vigorosa. Os ambientalistas entraram em pânico, com a perspectiva da chegada às estradas de mais umas centenas de milhares de automóveis. Como se não bastassem os Nano, perspectiva-se também a entrada em cena de um modelo equivalente produzido pela parceria Renault/Nissan/Bajaj. O crescimento previsto nas vendas de utilitários de passageiros na Índia é de 13%. De algum modo, o Nano representa uma nova versão, oriental, do velho sonho de Henry Ford, o de proporcionar um carro a cada família. Ao pensar um automóvel à medida de muitos consumidores do subcontinente, a Tata mostra como continuam a existir ovos de Colombo por desencantar no mundo do negócio.
O processo de exploração que conduziu ao desenvolvimento do Nano não é muito diferente de outra noção que vai adquirindo popularidade: a base da pirâmide. A base da pirâmide refere-se à ideia de que as empresas devem competir para satisfazer as necessidades dos consumidores pobres. Vários acontecimentos contribuíram para a atenção que o tema tem merecido no passado recente, mas dois foram particularmente salientes:
l A publicação, em 2005, do livro de C.K. Prahalad, Fortune at the Bottom of the Pyramid. Prahalad, um importante investigador da Universidade de Michigan e co-autor do célebre Competing for the Future, apresenta as populações pobres como um mercado potencialmente interessante desde que abordado da forma correcta. As empresas mais atentas a este mercado começaram de resto a explorá-lo, por vezes em parceria com ONG com forte conhecimento das especificidades locais. A reinvenção de produtos, mercados e negócios, é uma possibilidade assumida pela ideia de que é possível melhorar a condição humana com a economia de mercado.
l A popularidade granjeada a Muhamad Yunnus pela atribuição do prémio Nobel da Paz. O caso de Yunnus e do seu Grameen Bank, é bem conhecido, pelo que basta recordar o seu papel no desenvolvimento do microcrédito e a sua atitude anti-caridade.
Mas quem está afinal na "base da pirâmide"? De acordo com o relatório Os Próximos Quatro Mil Milhões, da IFC (Corporação Financeira Mundial) e do Instituto dos Recursos Mundiais, publicado em Março de 2007, trata-se de 4.000.000.000 de pessoas que vivem com um, dois ou três dólares por dia. Representam 60% da população mundial. 5.000.000.000.000 de dólares é o valor do poder de compra agregado destas populações pobres. Os desafios para as empresas são diversos, desde a oferta de produtos de qualidade a baixo preço, à construção de infra-estruturas capazes de sustentar o crescimento e o desenvolvimento humano. A exploração da base da pirâmide comporta um enorme potencial de destruição criativa. Inovações simples podem produzir resultados comerciais muito significativos. Escusado será dizer que estas ideias estão já a ser exportadas da Índia para outros países com consumidores pobres, cuja qualidade de vida pode ser melhorada com a descoberta de pequenas inovações capazes de produzir grandes efeitos e de pôr a poderosa força de resolução de problemas que é a economia de mercado ao serviço do combate à pobreza.
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domingo, 29 de junho de 2008
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