terça-feira, 25 de março de 2008

Tecnociência, Ecologia e Capitalismo

Marcos Barbosa de Oliveira

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia modernas não pode ser separado da grande transformação que foi o surgimento e a consolidação do capitalismo como sistema económico e social, inicialmente na Europa, hoje em dia praticamente no mundo todo. Pelo menos em certa medida pode-se afirmar portanto que a ciência e a tecnologia que conhecemos são uma ciência e uma tecnologia capitalistas. A partir dessa constatação, seria razoável esperar que os movimentos anticapitalistas que se constituíram ao longo dos dois últimos séculos tivessem como parte de seus ideários uma crítica a essas práticas. O que se verifica, entretanto, é bem o oposto. Herdeiros do optimismo dos iluministas, os movimentos socialistas, e em particular, o marxista, incorporaram à sua visão o ideal de progresso que se firmou tão solidamente no século XIX, e que tinha a ciência e a tecnologia na conta de elementos fundamentais para a promoção do desenvolvimento das forças produtivas, sendo esse desenvolvimento praticamente identificado com o progresso da humanidade. Ciência e tecnologia apareciam como o lado bom do capitalismo, como conquistas da burguesia que representavam um avanço em relação ao que existia antes, e algo a ser preservado e promovido na transição para o socialismo.
Mais tarde, tal valorização incorpora-se ao ideário desenvolvimentista que imperou e de certa forma ainda impera nos países periféricos. O desenvolvimentismo vê os problemas sociais como manifestação de subdesenvolvimento, e mede o atraso em termos de diferenças com os países centrais, tomando-os assim como modelos. Como um dos aspectos mais importantes do desenvolvimentismo figura a concepção da ciência e da tecnologia como factores imprescindíveis para a superação do atraso.
Em meados do século XX começam a se fazer ouvir as primeiras vozes dissonantes. Na década de 40, os frankfurtianos – Adorno, Horkheimer e Marcuse – publicam obras que questionam o próprio âmago da racionalidade científico-tecnológica, vista como instrumento para a dominação da natureza promovida pelo capitalismo.
Nas décadas a seguir o prestígio da ciência e da tecnologia vai sendo progressivamente abalado, primeiro pelo terrível choque que representou o lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, depois pela tomada de consciência da devastação provocada pelo modo capitalista-industrial de produção; devastação por um lado do meio ambiente, por outro, devastação cultural, decorrente da postura da civilização ocidental diante das culturas ditas primitivas em todo o período da colonização, e mesmo depois da descolonização formal.
Em 1964 Marcuse publica O homem unidimensional, muito influente nos movimentos de protesto que tiveram origem no fim da década. E tempos depois começa a ganhar forma e se fortalecer a crítica pós-moderna, que questiona especialmente a pretensão da ciência de constituir uma forma superior de conhecimento, colocando em dúvida a objectividade e a racionalidade dos procedimentos científicos.
Pode-se dizer entretanto que essas duas vertentes de crítica à ciência e à tecnologia modernas – a frankfurtiana e a pós-moderna – pecam por seu carácter abstracto e puramente negativo. São críticas que parecem satisfazer-se consigo próprias, que não propõem alternativas concretas, nem se engajam na luta para mudar efectivamente o rumo do desenvolvimento tecnocientífico. A essa falha junta-se, na crítica pós-moderna, a tendência ao relativismo.
Foi apenas nos últimos tempos – os últimos dez anos, digamos – que começou a se cristalizar uma nova modalidade de questionamento, que se pode caracterizar como crítica engajada. Essa nova vertente incorpora facetas das outras duas – como a ideia frankfurtiana do comprometimento da ciência e da tecnologia modernas com a postura de dominação, ou controle da natureza, e a valorização das formas não ocidentais de conhecimento – mas dá um passo adiante ao adoptar uma postura engajada, que promove, tanto na teoria quanto na prática, formas alternativas de ciência e tecnologia, e que, associando-se aos movimentos sociais, procura transformar a crítica abstracta numa força material, capaz de operar um redireccionamento das actividades tecnocientíficas.
Um dos traços principais do perfil teórico da crítica engajada está em reconhecer, e extrair as consequências do aumento no número e na profundidade dos vínculos que articulam ciência e tecnologia, um fenómeno claramente visível nos últimos tempos, tendo motivado a criação do neologismo “tecnociência”, de uso cada vez mais corrente. Quanto mais se consolida a amálgama da tecnociência, menos espaço sobra para o valor que se atribui ao conhecimento científico como um fim em si mesmo, independente das aplicações. A consolidação da tecnociência representa o fim da ciência pura – a ciência considerada do ponto de vista de seu valor intrínseco. Embora esse processo viesse se desenvolvendo lentamente por muito tempo, com a ascensão do neoliberalismo ele se acelera, impulsionado pelas directrizes dos órgãos responsáveis pela distribuição de recursos para o financiamento das pesquisas. A postura é a de, diante de qualquer projecto, por mais teórico que seja, perguntar por sua capacidade de gerar inovações tecnológicas, não se contentando com indicações de potencialidades a médio e longo prazos, mas exigindo especificações concretas das aplicações que se têm em vista.
Tal tendência não seria tão nefasta se as aplicações tecnológicas fossem avaliadas do ponto de vista de quanto contribuem para a solução dos problemas reais da humanidade. Sobre essa questão incide outro aspecto do perfil teórico da crítica engajada – a consideração da tecnociência como parte integrante do sistema capitalista. A tecnologização da ciência é vista como decorrência do processo de mercantilização da ciência e da tecnologia, que por sua vez constitui mais uma manifestação de uma característica fundamental do capitalismo, a compulsão a transformar tudo em mercadoria.
Embora de muitos pontos de vista já não seja possível distinguir a ciência e a tecnologia no amálgama da tecnociência, pelo prisma da mercantilização há uma diferença que ainda subsiste – embora mesmo esta tenda a desaparecer se persistir o movimento em curso. A mercantilização da tecnologia se dá através do sistema de patentes, e se acelera nos tempos do neoliberalismo pelo fortalecimento e expansão desse sistema. O fortalecimento corresponde à ampliação dos direitos dos detentores de patentes, e à intensificação da vigilância policial e das punições aos infractores. A expansão consiste no estabelecimento de novos tipos de patentes, sendo os mais importantes e mais controvertidos os das patentes para matéria viva – organismos ou partes de organismos.
A mercantilização da ciência é objectivo da reforma neoliberal que vem sendo imposta aos órgãos primordialmente responsáveis por sua produção – as universidades públicas. Um dos principais instrumentos dessa reforma é a ênfase na avaliação – uma avaliação quantitativa, que privilegia as aplicações rentáveis e sufoca qualquer tentativa de reflectir sobre o impacto real da tecnociência sobre a sociedade.
O efeito desses dois processos paralelos de mercantilização é fazer com que o ritmo e os rumos do desenvolvimento da tecnociência respondam não a seu potencial de contribuir para a superação dos problemas reais da humanidade, mas sim aos interesses do mercado capitalista. Abstraindo de considerações relativas a valores fundamentais, e a princípios de racionalidade, o carácter nefasto da mercantilização se revela nas consequências indisfarçáveis do sistema neoliberal: a injustiça social, as diferenças cada vez maiores entre ricos e pobres, tanto no interior de cada país como entre os países centrais e os periféricos, a devastação ambiental, o uso predatório dos recursos naturais, etc. Por esses males a tecnociência é assim co-responsável.
A partir dessas constatações, a crítica engajada se impõe como missão, para cada sector da tecnociência, analisar o modo como a mercantilização opera, avaliar suas consequências, propor alternativas e associar-se aos movimentos sociais capazes de implementá-las. Nos últimos tempos, o sector mais em evidência é o da biotecnologia, num sentido amplo, que envolve aplicações tanto na área da produção agrícola quanto na da saúde. No que se refere à produção agrícola, a mercantilização actua não apenas das formas já indicadas, mas também, de maneira muito nítida e importante, sobre as sementes – por meio das variedades híbridas e, nos últimos tempos, transgénicas.
A luta que se tem pela frente será longa e demandará muito empenho. Embora a crítica no seu aspecto negativo – o apontar o que está errado no sistema vigente – seja importante para despertar nas pessoas a consciência da necessidade de mudança, é fundamental que se desenvolva também o lado positivo necessário: a invenção e a colocação em prática de novas formas de ciência e tecnologia, norteadas pelos valores da solidariedade, da justiça social e do respeito ao meio ambiente, em vez de aos valores da dominação da natureza e da acumulação do capital. Do sucesso desta empreitada depende a possibilidade de tornar real o novo mundo que se almeja.

(*) Marcos Barbosa de Oliveira é doutor em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Londres e professor associado na Faculdade de Educação da Universidade de S. Paulo (USP). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação, Ciência e Tecnologia. Este texto é uma versão ampliada da exposição introdutória feita por ocasião do Seminário “Tecnociência, ecologia e capitalismo” do II Fórum Social Mundial, do qual o autor foi o coordenador. Está publicado em I. Loureiro, M. E. Cevasco e J. C. Leite (orgs.), O Espírito de Porto Alegre (São Paulo, Paz e Terra, 2002, pp.109-113).

Via: http://www.ocomuneiro.com/nr5_06_MarcosBarbosadeOliveira-Tecnocienciaecologiaecapitalismo.html

segunda-feira, 24 de março de 2008

Evolução do PC Chinês

Evolução Programática e Democracia Interna no PCC

por Elias Jabbour*

Em oportunidade anterior discorri sobre os avanços e a formatação de uma democracia com características da chinesa. Porém, para grande parte dos especialistas mudanças nas formas de representação política na China passam, de forma necessária, por mudanças no seio do próprio partido governante.

Por outro lado, é visível a transformação do PCC; transformação tal que acelerou na década de 1990, cuja cristalização podemos observar no mandato da actual geração dirigente nucleada por Hu Jintao. Não é de somenos, determinadas mudanças em andamento, pois velhos hábitos e formas de angariar representatividade – no âmbito do PCC – estão sofrendo grandes alterações, em clara consonância com transformações na estrutura social do país.
Encontro programático com o Kuomintang

O primeiro ponto que destaco é a transformação ideológica do PCC na década de 1990, momento este marcado pela
Derrocada da primeira grande experiência socialista, a URSS e pelo recrudescimento em todos os campos do imperialismo, inclusive para com a China. Exemplo deste recrudescimento pode ser a interferência norte-americana nos episódios de Junho de 1989 em Pequim, as consequentes sanções económicas impostas a China pelo G-7 e a negativa de sediar os jogos olímpicos de 1996.

Sob o escopo das relações internacionais, essa viragem, numa relação tida como “virtuosa”, nas relações entre os dois países serviu, de um lado para desacumular as disputas estratégicas envolvendo China e EUA e por outro, levou à China a uma grande guinada nas suas relações exteriores, voltando-se a uma campanha internacional levada por diante pela diplomacia chinesa com o objectivo de demonstrar os interesses reais e pacíficos do regime. O sucesso desta política pode ser aferido pela vitória da China na disputa pela sede das olimpíadas de 2008 e na sua crescente capacidade de intervenção financeira externa, principalmente em África.

Internamente, dada a derrota estratégica do projecto socialista no âmbito mundial, o PCC num processo lento e gradual, foi-se aproximando do projecto político inicial do Kuomintang de Sun Yatsen. Acredito que em nenhum momento da história do PCC, a ideia de um partido de carácter nacional fora abandonado, muito pelo contrário. A questão é que durante a Guerra Fria, na medida em que socialismo e capitalismo disputavam a hegemonia do mundo, sendo que tal disputa ganhava contornos sangrentos na Ásia, o PCC exteriorizou muito mais os seus contornos vermelhos que os nacionais propriamente ditos.

A ameaça externa em duas frentes (contra URSS e EUA), e a grande influência exercida pelas ideias igualitaristas das milenares comunidades agrárias do país, levou o PCC a uma caçada cruel a tudo que se relacionasse a “capitalismo”; eis uma quase negação – imposta por uma conjuntura externa hostil – do espírito da “Nova Democracia” (“democracia popular” nas palavras de Dmitrov e Staline) fundada em 1949, em que a própria bandeira chinesa é símbolo da união em torno do PCC (estrela maior) das “quatro classes” protagonistas da revolução (as estrelas menores: proletariado, camponeses, burguesia nacional e pequena burguesia).
Desenvolvimento e questão nacional

Juntamente com as mudanças na ordem internacional, outros três factores se somam à corroboração da retoma da ideia de um partido nacional, a saber:
1) a premência da solução de questões pendentes como a de Hong-Kong e Taiwan;
2) a indispensabilidade dos capitais da “diáspora chinesa“, assentes no sudeste asiático, ao projecto de modernização e,
3) o próprio projecto de modernização em si, indispensável às aspirações de renascimento da nação chinesa e da manutenção do status quo do PCC, num mundo marcado pelo rápido desenvolvimento das forças produtivas.

A modernização chinesa não poderia ir adiante sem a retoma do velho espírito empreendedor do seu camponês médio, o que redundaria, no futuro (hoje), na transformação de vastas gamas do seu campesinato em “capitalistas” com grande capacidade de acumulação, e consequentemente, com grande papel político e social. Tal papel político e social ganha tamanho num país único como a China, onde a manutenção do monopólio do poder estatal por uma única força política, depende de respostas rápidas a problemas imediatos, como, por exemplo, o da geração de 10 milhões de empregos anuais. A solução de problemas desta ordem, infelizmente, não pode ser encontrada em nenhum “cânone” marxista. Logo, a realidade concreta é que pauta respostas, não a vontade humana.

Esta chamada por Marx de “via revolucionária” de transição feudalismo – capitalismo, caracterizada pela transformação de pequenos proprietários em capitalistas e muito bem explorada por Maurice Dobb nos debates com Paul Sweezy, é a base de uma explicação mais séria das razões que cercam o crescimento longo e volumoso da China.

As “Três Representações”

No que concerne à China, não temos o direito de fazer uma análise estática ou simplesmente movida por combustíveis ideologizados, que invariavelmente tendem a uma grande pauperização teórica e metodológica. A grande verdade é que a sociedade chinesa transformou-se completamente nos últimos 30 anos, de uma sociedade pautada pela “túnica azul” e uma “tigela de arroz”, para outra, encaminhando-se rapidamente para padrões de consumo que vão desde o sonho do carro importado pelas classes mais abastadas, até à capacidade um simples trabalhador poder possuir bens de consumo não-duráveis.

De todo esse processo, emergiram milhares de contradições já expostas por mim em oportunidades anteriores; uma grande massa de cientistas com grande status social devido à centralidade da questão científica e tecnológica pós-1978, trabalhadores urbanos e camponeses em pé-de-guerra para fazer valer os seus direitos, e um Estado de Direito em formação em contraposição às leis originadas da mente de um único “grande e iluminado líder”. Contra o verdadeiro “parto” que era a substituição de lideranças em partidos leninistas, Deng Xiaoping impingiu com sucesso a ideia de “geração dirigente” com mandato de 10 anos, cujo núcleo deveria ter toda uma folha de serviços prestados ao país e ao partido. Um verdadeiro salto de qualidade. Como, em algum momento, diz Amaury Porto de Oliveira, “esses líderes não são eleitos em sufrágio universal, mas tampouco são usurpadores do poder”.

Característica desta ideia de “geração dirigente” está na elaboração de signos que sintetizam desafios imediatos e estratégicos, e que servem de parâmetro para alocação de unidade partidária em torno do núcleo. Entre estes signos podemos destacar o “pensamento de Mao Tsetung”, a “teoria de Deng Xiaoping de construção do socialismo com características chinesas”; as “Três Representações” elaboradas por Jiang Zemin, núcleo da terceira geração e a encampada por Hu Jintao – o “conceito científico de desenvolvimento”. Tratam-se, inclusive, no dizer dos chineses, de sucessivas adaptações do marxismo à realidade concreta da China.

O que nos toca hoje é alocar a ideia das “Três Representações”. As “Três Representações” indicam que o PCC deve ser:
1) representante do que exige o desenvolvimento das forças produtivas avançadas;
2) do rumo pelo qual há-de marchar a cultura avançada na China e,
3) dos interesses fundamentais das mais amplas massas populares. Por outras palavras, busca adaptar o programa mínimo do PCC com a metamórfica estrutura social do país. Busca-se, neste momento, com o encampamento deste corpo teórico, colocar sob o guarda-chuva do PCC, não somente os operários, camponeses e intelectuais, mas também todo um corpo empresarial surgido com as reformas de 1978. Um verdadeiro alargamento da base social do PCC, numa clara alusão às políticas “bismarckianas” de busca de paz interna ao combate externo. Também pode significar um retorno ao programa da Nova Democracia anunciado por Mao Tsetung em 1948, no recém-formado Conselho Consultivo Político do Povo Chinês (CCPPC).

O PCC e o alargamento da democracia interna

Um processo de transição no rumo de uma democracia formal na China deve-se basear, a nosso ver, facilitando a expansão da base material da nação, de forma que todos os interesses internos das diferentes composições sociais do país sejam contemplados. Por outro lado, como foi dito, a retoma da ideia do PCC como um “partido nacional”, que vislumbra estrategicamente a consecução do socialismo e do comunismo, é parte do conjunto que envolve a porosidade social do país. Enfim, o próprio PCC, internamente está em grande processo de transformação.

Como foi citado no início do artigo, há quem acredite que uma reforma interna no PCC, guarda maior significado que experimentações de sufrágios ao nível de base. A primeira transformação que salientamos, está no facto de Hu Jintao ser o primeiro secretário-geral dom PCC que não conta com maioria no âmbito do Bureau Político do PCC, o que não é pequena coisa, significando que inexiste a possibilidade de acomodação no cargo sob o preço de um linchamento político de grande envergadura. Isso também tem consequência directa na vida do PCC, que dados os imensos desafios encetados no horizonte imediato do país, é incentivado a maiores discussões internas Neste sentido, também se verificam mudanças no quotidiano do partido: de uma organização de listas prontas e fechadas, a um partido político decidido a sacudir as teias de uma militância acostumada a determinados hábitos políticos.

Interessante é o fato de o último Congresso Nacional do PCC ter sido o primeiro em que houve número de candidatos apresentados a ocupar as cadeiras do comité central, maior que as vagas disponíveis; 15% dos candidatos a delegados ao Congresso foram rejeitados, e entre 2006 e 2007, 296 cantões de 16 províncias colocaram – como parte de um projecto de experimentação – os chefes locais do PCC a serem votados, o que significa uma verdadeira prova de fogo a determinadas lideranças locais (1).

Enfim, o futuro ainda guarda grandes transformações, que em sua devida hora merecerá uma observação mais atenta por parte dos analistas.

Nota:

(1) Thornton, John: “Long Time Coming – The Prospects for Democracy in China”. Foreign Affairs. Vol. 87, n° 1. January/February 2008.

Via: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=33968

A Bolha

Crise sistémica global Fase de afundamento da economia real dos EUA: Setembro/2008por GEAB [*] N° 22

Segundo LEAP/E2020, o fim de o 3º trimestre de 2008 marcará um novo ponto de inflexão no desenvolvimento da crise sistémica global. Nesta data, com efeito, o impacto acumulado do conjunto das diferentes sequências da crise (ver tabela abaixo) atingirá sua potência máxima e portanto afectará de modo decisivo o próprio cerne dos sistemas abrangidos, dentre os quais em primeiro lugar encontram-se os Estados Unidos, epicentro da crise actual. Nos Estados Unidos, este novo ponto de inflexão traduzir-se-á pelo colapso da economia real, última etapa sócio-económica da explosão em série das bolhas imobiliárias e financeiras [1] e do prosseguimento da queda do valor do dólar. O afundamento da economia real dos EUA representa muito simplesmente a paragem quase completa da máquina económica americana: falências privadas e públicas em número muito grande, encerramentos maciços de empresas e de serviços públicos [2] . Como sinal precursor, é interessante notar que a partir de Março de 2008 o governo americano interromperá a publicação dos seus índices económicos por razões de constrangimentos orçamentais [3] . Os leitores do GAB Nº 2 e do alerta que o acompanhava guardam certamente na memória a nossa antecipação que nomeadamente havia correlacionado a queda futura do dólar com o fim da publicação do M3 da Reserva Federal dos EUA . Eis aqui, na nossa opinião, um novo sinal claro de que os dirigentes americanos esperam doravante perspectivas económicas realmente sombrias para o seu país.Neste GEAB Nº 22, os peritos do LEAP/E2020 tentam nomeadamente antecipar as consequências concretas deste afundamento da economia real sobre os próprios Estados Unidos e sobre as demais regiões do planeta. Paralelamente, nossa equipe desenvolve uma série de cinco recomendações estratégicas e operacionais para se precaver face ao agravamento da crise sistémica global dos próximos meses. Por ocasião do segundo aniversário da publicação do seu famoso "Alerta: crise sistémica global" [4] , que em Fevereiro de 2006 circulou por todo o planeta, LEAP/E2020 deseja ainda recordar que doravante entramos directamente num período sem qualquer precedente histórico. Como tem sublinhado repetidas vezes, desde há dois anos, a nossa equipe de investigadores, as comparações com as crises anteriores da economia moderna são falaciosas. Não se trata com efeito nem de um "remake" da crise de 1929 nem de uma repetição das crises petrolíferas dos anos 1970 ou bursáteis de 1987. Trata-se completamente de uma crise sistémica global, ou seja, que afecta a integralidade do planeta e atinge directamente os fundamentos do sistema internacional que subjaz à organização planetária desde décadas. Para LEAP/E2020, é igualmente edificante constatar que dois anos após a publicação do seu famoso "Alerta: crise sistémica global" que provocou em simultâneo o interesse de milhões de leitores do mundo todo e a ironia condescendente da maior parte dos "peritos" e "responsáveis" do mundo económico e financeiro, toda a gente está agora convencida que há realmente uma crise, que ela é realmente global e, para a maior parte, que ela talvez seja realmente sistémica. Contudo, nossa equipe fica sempre espantada pela incapacidade que têm estes mesmos peritos e responsáveis para apreender a própria natureza do fenómeno que vivemos actualmente. Ao lê-los, esta crise sistémica global não seria senão uma espécie de crise, "clássica" mas "maior". É assim que os media financeiros reflectem as interpretações dominantes da crise em curso. Para a nossa equipe trata-se de uma abordagem não só intelectualmente preguiçosa [5] como moralmente culpável pois ela tem como consequência principal não permitir aos leitores (quer sejam simples cidadãos, investidores individuais ou responsáveis de instituições privadas ou pública) que se preparem para os choques que vem aí [6] . Assim, ao contrário do que se pôde ler nestas últimas semanas nos media dominantes, sempre prontos a tentar camuflar a realidade para servir os interesses que os dominam, LEAP/E2020 deseja recordar que é em primeiro lugar nos Estados Unidos que esta crise sistémica global toma uma forma sem precedentes (a "Muito grande depressão americana", como a denominou nossa equipe em Janeiro de 2007 [7] ) uma vez que foi em torno deles, e apenas deles, que se organizou progressivamente o mundo saído da Segunda Guerra Mundial. Os diferentes números do GEAB explicaram amplamente esta situação. Para resumir: julgamos útil sublinhar que não é nem a Europa nem a Ásia que têm taxas de poupança negativas, uma crise imobiliária generalizada que joga na rua milhões de cidadãos, uma divisa em queda livre, défices públicos e comerciais abissais, uma economia em recessão e, para coroar tudo, guerras custosas para financiar. Não são portanto nem a Ásia nem a Europa (mais exactamente 'a zona Euro') que sofrerão as consequências mais brutais, as mais duradouras e as mais negativas da crise em curso, mas antes os Estados Unidos e os países/economias fortemente correlacionado(a)s com os Estados Unidos (aquilo a que os nossos peritos doravante chamam "o risco americano") [8] . Há efectivamente um efeito "desemparelhamento" (découplage) entre a economia dos EUA e aquelas das demais regiões do mundo. Mas "desemparelhamento" não signfica "independência". É bem evidente, como antecipou LEAP/E2020 desde há vários meses, que a Ásia e a Europa serão afectadas pela crise. "Desemparelhamento" significa em contrapartida que as evoluções da economia dos EUA e aquelas das outras grandes regiões do mundo doravante já não estão mais sincronizadas, que daqui para a frente a Ásia e a Europa evoluirão segundo trajectórias que não serão mais determinadas por aquelas da economia americana. A crise sistémica global marca de facto o começo do "desemparelhamento" entre a economia dos EUA e aquelas do resto do planeta. As economias não "desemparelhadas" serão portanto aquelas que vão ser arrastadas na espiral negativa americana.Os exemplos de explosão das bolhas imobilária (2006) e financeira (2007) são eloquentes. Com efeito, a imensa maioria dos operadores (não especialistas do sector afectado) descobriu que a "festa acabara" bem após a inversão de tendência. Durante todo o período de retorno (que em geral dura 6 meses ao máximo de 1 ano), a palavra dominante continuou a pretender que nada mudava e que as incerteza nascentes não tinham qualquer razão de ser; depois, que os problemas ficariam confinados ao sector afectado e apenas aos Estados Unidos. Aqueles, nos Estados Unidos e no resto do mundo, que ouviram este discurso hoje mordem os dedos pois doravante estão prisioneiros de casas invendáveis (ou em vias de serem arrestadas) ou vêm cada dia um pouco mais do que na véspera o valor das suas acções a fritar-se [9] . Quanto aos mercados bursáteis, nossa equipe havia antecipado em Outubro de 2007 que as bolsas mundiais perderiam entre 20% e 60%, conforme as regiões, no decorrer do ano 2008. Hoje, devemos reavaliar nossas antecipações na direcção de uma baixa ainda mais forte uma vez que, por um lado as praças bursáteis em geral já perdeu entre 10% e 20% desde do princípio do ano [10] , e por outro lado o afundamento da economia real dos Estados Unidos daqui até ao fim do Verão de 2008 vai arrastar todas as bolsas mundiais numa espiral infernal. Para LEAP/E2020, é para uma baixa de 50% em média, em relação a 2007, que se orientam doravante as bolsas mundiais (inclusive nos países emergentes) [11] . Este tipo de reavaliação é típico do trabalho de antecipação realizado pelo LEAP/E2020. Procuramos a cada mês discernir as tendências que se reforçam ou, ao contrário, se enfraquecem a fim de extrair as consequências necessárias para melhorar a pertinência das nossas avaliações. Nós não procuramos "ter razão" [12] , "vender" ou "promover" o que quer que seja. Procuramos simplesmente e sem a priori descrever com avanço as consequências concretas das grandes tendências que operam no nosso mundo do começo do século XXI e dar a conhecer aos nossos leitores meios que lhes permitam precaverem-se contra as consequências mais negativas. Neste número 22 do Global Europe Anticipation Bulletin, com o nosso alerta sobre o afundamento da economia real dos Estados Unidos a partir de Setembro de 2008, tentamos novamente prevenir aqueles que estão preocupados com as consequências deste acontecimento importante que vai gerar perturbações sócio-políticas muito graves nos Estados Unidos [13] cuja economia está verdadeiramente em vias de entrar em colapso [14] , o que terá naturalmente repercussões muito pesadas sobre o conjunto dos mercados financeiros e monetários e para a economia mundial. Ainda não atingimos o coração da crise. Segundo LEAP/E2020, ele será atingido no segundo semestre de 2008. Notas: (1) Um filme muito instrutivo acaba de ser apresentado no Sundance Film Festival: I.O.U.S.A. , realizado por Patrick Creadon. Seguindo o percurso de David Walker , US Comptroller General (e, nessa função, responsável pelo controle das despesas públicas do governo federal), durante uma série de conferências através dos Estados Unidos acerca do estado das finanças públicas do país, este filme trata de maneira muito directa das consequências da crise actual sobre os Estados Unidos e os americanos. O seu lançamento ilustra como em alguns meses a crise saiu dos debates de peritos e dos conselhos de administração dos estabelecimentos bancários para entrar na vida quotidiana dos americanos. (2) O afundamento completo nestes últimos dias do mercado das obrigações municipais americanas (os "Munis") ilustra a difusão da crise a todos os sectores da sociedade americana. Representa uma súbita travagem nos projectos de investimento público do conjunto das colectividades territoriais dos Estados Unidos. Trata-se de uma das primeiras grandes vítimas da implosão dos "bonds insurers" que LEAP/E2020 havia antecipado no GEAB Nº 19 . E demonstra novamente como os grandes bancos estão doravante incapazes de continuar a desempenhar o seu papel no financiamento da actividade económica do país. Fontes: Financial Times, 13/02/2008 / Bloomberg , 14/02/2008 (3) Fonte: EconomicIndicators.Gov , Economics & Statistics Administration, US Department of Commerce (4) Ver GEAB N°2 , 15/02/2006 (5) A primeira razão que impede os "peritos" de pensarem "o impensável" não é uma questão de inteligência, mas sim um problema "comercial". Com efeito, isso os obrigaria a rever o essencial do seu "fundo de comércio" intelectual (nomeadamente suas hipóteses tradicionais de trabalho) e comercial (seus "clientes" não gostariam de ouvir dizer que seguiam por um caminho falso durante todos estes últimos anos). (6) A este respeito, sublinhamos o discurso directo e sem floreios de Mervyn King, patrão do banco central britânico, que acaba de prevenir os seus concidadãos que a crise actual iria provocar uma baixa significativa do seu nível de vida. Trata-se de um discurso que infelizmente nenhum dirigente americano, inclusive entre os Democratas, parece pronto a fazer ao povo americano, embora este seja ainda mais afectado que o povo britânico. Fonte: The Telegraph, 14/02/2008. (7) Ver GEAB N°11 , 15/01/2007. (8) Neste número 22 do GEAB, a equipe do LEAP/E2020 dá aliás uma série de conselhos para ajudar os investidores a avaliarem por si mesmos o "risco americano" dos diferentes países, sectores ou aplicações. (9) Passa-se o mesmo com todos aqueles que preferiram ouvir os discursos dominantes que, ao longo dos anos 2006 e 2007, pretendiam ser impossível a subida da taxa de câmbio EUR/USD para 1,30, depois 1,40, e depois ainda 1,50... aguardando-se os 1,70 no fim de 2008. (10) Só os "mercadores de sonhos" ainda podem imaginar uma recuperação bursátil daqui até o fim deste ano, pois a crise vai continuar a acelerar-se. (11) É útil recordar que em Janeiro de 2088, num único mês, as bolsas mundiais viram desaparecer em fumo US$5.200 mil milhões. Fonte: Source : China Daily News, 10/02/2008 (12) Mesmo que incontestavelmente não tivéssemos tido razão nestes últimos dois anos no que se refere à crise sistémica global. (13) Ver 'Séquence 6: 2° Trimestre 2007 – 4° Trimestre 2009: "Très Grande Dépression" nos Estados Unidos, crise social e subida potencial dos militares à gestão do país, GEAB N°18 , 15/10/2007 (14) As previsões referentes a falências de dezenas de bancos nos Estados Unidos nos próximos dois anos ilustram a dimensão dos problemas a surgir. Fonte: Reuters , 01/02/200815/Fevereiro/2008 [*] Global Europe Anticipation Bulletin
O original encontra-se em http://www.leap2020.eu/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

As Raízes da Crise

25 de Janeiro 2008

A crise imobiliária está a caminho de se transformar em crise bancária e em crise simplesmente. Os bancos fabricaram caixinhas surpresa (a titularização) colocando lá créditos duvidosos e particularmente as dívidas das famílias americanas pobres (os subprimes), burladas por contratos enganadores. A sua falência provocou uma perda de confiança generalizada sobre o valor destes títulos, dos quais ninguém conhece verdadeiramente a composição. Tudo isto é evidentemente o resultado da avidez inextinguível de uma finança desenfreada.Artigo de Michel Husson , a publicar na revista Regards (Fevereiro de 2008) e disponível no seu site hussonet.free.frMas o que é que permitiu, no fundo, este fenómeno da financiarização? Se procurarmos seguir o conselho de Marx de não ter apenas em conta a superfície das coisas, a resposta encontra-se na baixa universal do peso dos salários. Um pouco por todo o mundo, a parte das riquezas que os trabalhadores (que as produziram) recebem baixa desde há pelo menos 20 anos. É um facto estabelecido e reconhecido tanto pelo FMI como pela Comissão Europeia [1]. Qual a relação com a finança? É a seguinte: esta mais-valia que aumenta mais depressa que o rendimento nacional, não é mais investida como antes, e a contrapartida da baixa da parte salarial é portanto um crescimento rápido da mais-valia não acumulada. Que lhe acontece? É distribuída a uma pequena camada de proprietários e de pseudo-assalariados à procura de colocações que poderão fazer frutificá-la de novo. Daí uma enorme superabundância de liquidez e de capitais financeiros que reivindicam rendimentos cada vez mais extravagantes.Ao fim de algum tempo, a finança autonomiza-se, dito de outra forma desenvolve-se segundo a sua própria "lógica". Esquece que o volume de valor disponível depende do grau de exploração e que este não pode, apesar dos esforços dos capitalistas, crescer de forma exponencial. As crises financeiras são, por conseguinte, manifestações periódicas da lei do valor. Depois das ilusões da "nova economia", são as ilusões dos novos produtos financeiros que acabam por desaparecer no fumo das perdas bancárias.As recomendações pregando uma melhor governança, uma maior transparência, etc. não têm nada a ver com os delírios inventivos de uma finança deliberadamente fora de qualquer controlo. Quanto aos bancos centrais, eles não hesitam a travar a economia aumentando as taxas de juro cada vez que surge a ameaça de um aumento excessivo dos salários. Nenhuma piedade para os proletários! Mas quando surge um risco de crise financeira, não hesitam um instante a injectar massas enormes de liquidez para tirar de apuros os bancos com dificuldades. Dois pesos, duas medidas: os bancos centrais são instrumentos de gestão dos interesses dos proprietários.A natureza de classe dos fenómenos em questão devia meter-se pelos olhos dentro: o dinheiro que os proprietários jogam neste casino, é o que foi extorquido, para além de qualquer medida, aos assalariados do mundo inteiro. Mas são também eles que vão sofrer as consequências: para apagar as perdas vai ser necessário sanear a economia à sua custa, travando o crescimento, aumentando as taxas de juro e usando as perturbações actuais da economia mundial como pretexto para baixar ainda mais os salários.O capitalismo entrou assim numa zona de tempestades porque o frágil equilíbrio da economia mundial está hoje à beira da ruptura. Os Estados Unidos dificilmente podem fazer financiar um défice comercial abissal pelo resto do mundo ou pretender reduzi-lo graças à queda sem fim do dólar, sem que isto faça rebentar as crescentes tensões com a China e a Europa.Estamos aqui confrontados com a deriva de um "capitalismo puro" liberto das suas cadeias, capaz de impor um crescimento ininterrupto da taxa de exploração. Mas é ao mesmo tempo o seu calcanhar de Aquiles. Para sair suavemente da situação actual será necessário de facto que as principais economias se reorientem para a procura salarial, o que suporia uma repartição dos rendimentos mais favorável aos assalariados. Mas os capitalistas dispõem, graças à mundialização, de uma relação de forças de tal forma favorável que não têm nenhuma razão para enveredar espontaneamente por esta via.
Tradução de Carlos Santos

http://hussonet.free.fr/
Via http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=5419&Itemid=121

Morrer a trabalhar


Morrer a trabalhar.

Acidentes de trabalho mataram 160 trabalhadores em 2007, mais 3 que em 2006. Os dados, divulgados pela Autoridade para as Condições de Trabalho, revelam ainda que, por sectores, morreram:
81 pessoas na construção civil,
30 na indústria transformadora,
22 no comércio e serviços,
14 na agricultura,
4 nos transportes e armazenagem,
1 na administração pública e
8 em outros sectores.
As pequenas empresas (com menos de 9 trabalhadores) somaram 66 mortos e as grandes (com mais de 50 trabalhadores) atingiram 43. Nove dos mortos eram imigrantes (5 brasileiros, 2 angolanos e 2 ucranianos).Pelo menos 80% dos mortos são de sectores operários (mais de 10 vítimas por mês), facto que revela quem é mais penalizado pelas condições de trabalho, inclusive nas grandes empresas (3 a 4 mortos por mês).

3 Março 2008

Via Mudar de Vida

América Latina

Uma reflexão sobre o futuro da Venezuela
por Pedro Ayres [*]
Hoje, a exemplo dos anos 60 e 70 do século passado, a questão das transformações sociais e políticas por via revolucionária é tema recorrente. A Revolução, além de ser objeto das preocupações de quase todos os movimentos políticos e sociais da América Latina, é uma realidade do dia-a-dia em alguns países, como a Venezuela, a Bolívia e o Equador. O fato de haver esse novo apelo para drásticas mudanças em sociedades capitalistas que até a pouco blasonavam equilíbrio e poder é bem sintomático. Se naqueles idos a pregação revolucionária tinha como leit motiv a crítica ao capitalismo, ao colonialismo e ao imperialismo, hoje, essa crítica é mais abrangente e totalizante, com o acréscimo da ecologia, da liberdade e da democracia como características essenciais. Além destes, novos ingredientes sociais, políticos e econômicos foram acrescentados ao que era apenas uma crítica elementar, pois, as básicas relações de domínio, poder e exploração não sofreram nenhuma mudança, apenas se multiplicaram em detalhes e processos aparentemente complexos e com eles, as novidades. Dentre os aspectos mais essenciais dessa crítica estão dois que são os mais visíveis: a democracia e a liberdade. Para alguns teóricos, como István Mézáros, um lúcido pensador húngaro, da linha de György Lukács, esses dois momentos da vida humana sempre foram basilares para todo o pensamento revolucionário desde a Comuna de Paris. O esquecimento nos últimos 50 anos do século XX a que foram relegados, pode ser compreendido como a causa do fenômeno da expansão capitalista, a solução política definitiva – " o fim da História" – , como se viu nos terríveis anos do neoliberalismo. Anos em que a cruel fantasia do consumo, sinônimo de liberdade individual e o livre mercado,entendido como último avanço político e democrático das nações tornaram-se regra e dogma. Um dogma que viciava todas as relações sociais e políticas com sua pregação individualista, não participativa e anti-solidária. É a pregação e uso da máxima "você tem que levar vantagem em tudo" em sua total e plena acepção. O problema surge quando a realidade, esta estraga prazeres, começa a demonstrar que aquelas verdades políticas e filosóficas não eram nem filosóficas e muito menos um novo quadro político para todos. É o fim das bolhas especulativas das empresas de informática, dos mercados financeiros secundários e da desvalorização desse tipo de atividade como algo positivo. Com o retorno aos padrões da economia real fica mais claro o fracasso do livre mercado. Desde que a prática neoliberal falhou como expressão político-econômica global, ao gerar desequilíbrios regionais e enfraquecer os eixos desse sistema mercantil-financeiro, questões há muito reprimidas como o nacionalismo e soberania, desenvolvimento sustentável e crescimento igualitário, democracia e liberdade política das massas, ganham a consciência de alguns povos. O resultado disso tudo é a compreensão que a liberdade não pode ser medida pelo que se consome, que a democracia tem que ser de tal modo que todos sejam igualmente partícipes das decisões políticas do Estado. É evidente que na maioria desses países o processo de luta tem sido orientado para uma espécie de combate formal e circunscrito ao estabelecido pelo poder que se quer substituir. O resultado é um caminho muito tortuoso, cheio de curvas, recuos e poucos avanços. Ora, como a Revolução é uma realização coletiva e original de ruptura de um status não tem uma fórmula ou modelo, pois em cada país e em cada tempo surgem as condições, os modos e os meios de sua realização. Na atualidade, graças ao retorno conceitual dos processos revolucionários ao sentido original de suas origens libertárias e democráticas, existe a clareza da especificidade de cada Revolução. Um fato que tem gerado algumas incompreensões, mas que, em compensação, cria novas alternativas experimentais de prática e processos transformadores. Uma revolução é sempre cheia de problemas criados pela permanência das contradições da sociedade que está sendo reconstruída. Além das naturais questões políticas e econômicas, há uma questão que tem a máxima importância, porém não é muito vista, o que torna os seus efeitos ainda mais sejam funestos. Ela poderia ser chamada de pressa subjetiva ou necessidade de ser sujeito do processo. Embora haja quase um completo silêncio sobre o que pensa o homem comum durante esses períodos, se olharmos com muito cuidado e sem nenhum tipo de preconceito, veremos que no pensamento desse homem existem os mesmos sonhos e veleidades que atingem a todos. A grande dificuldade é admitir que tudo se realiza no devido tempo e ritmo permitidos pelas condições reais. Assim, ao ficarmos frustrados com os "atrasos" do processo revolucionário, na realidade estamos querendo dizer que estamos com pressa para testemunhar ou sermos protagonista. É a permanência do sentido da liberdade individualista do capitalismo, em que se tem que ser protagonista e usufrutuário das mudanças que estão se realizando, da mesma forma que alguém planta um abacateiro e quer que logo no primeiro ano de plantado produza frutos. É muito difícil decompor, intitular e rotular as contradições cotidianas, pois, como fazem parte da nossa vida e comportamentos sociais, só conseguimos vê-las a partir dos estereótipos já conhecidos, ou seja, aplicamos a lógica formal para entender e explicar o que faz parte de um movimento dialético. A resultante é sempre falha, pois, a nossa percepção nesse caso nos é dada, não pelos padrões da realidade, mas, acima de tudo, pela quantificação das frustrações e conquistas obtidas em termo de gozo pessoal. Ora, como o nosso modo de pensar é formado a partir de conceitos ideológicos burgueses, mesmo quando exercemos a crítica desses conceitos, sempre há um resíduo para nos condicionar o comportamento. Um comportamento que pode muito bem oscilar entre a feroz crítica moralista e teórica ou um excesso de compaixão social, onde há desculpas para quase tudo em nome de uma relatividade que não existe e nem deve existir nos processos de mudança. Na Venezuela, por exemplo, hoje em dia é comum o debate a respeito de erros e acertos de tal ou qual projeto ou ação de governo. Um dos temas mais constante nos escritos e falas dos venezuelanos envolvidos com o processo político revolucionário, é a corrupção no serviço público e a visão de que ela é um desvio do processo. É uma análise equivocada, a corrupção é condição sine qua non do sistema capitalista, portanto, o que há é a continuidade de uma velha estrutura. Como a estrutura do Estado ainda é a mesma que serviu a Andrés Peres e Caldera dificilmente ela terá a agilidade e a boa vontade para realizar funções/atividades que entrem em conflito com a prática usual. É quase que uma atitude autodefensiva por parte do capitalismo que esse Estado ainda personifica. Da compreensão desses fatos é que surgirão a correção e o enquadramento da estrutura estatal e das pessoas por meio de atitudes práticas. Assim, numa rápida leitura do período pós-referendum de 2 de dezembro, tem-se como tônica a crítica "metralhadora-giratória", tanto da parte de venezuelanos quanto de não venezuelanos. Entretanto, é preciso que tenhamos em conta o valor desse procedimento, pois, antes desse tipo de processo, a crítica quando existia, perdia-se nela mesma. Hoje, está obrigando a que todos pensem até que se atinja um bom grau de maturidade. E para melhor compreender o que se passa, é sempre bom lembrar as palavras de Vladimir Ilitich Ulianov para explicar como era o partido bolchevista, "o Partido é o que é". Ou seja, mesmo dentro do Partido bolchevista coexistia o novo e o velho, algo que também é verdadeiro até para as pessoas como indivíduos. Isso para podermos entender a prática individual e coletiva de todos nós. No que se refere ao Estado, é sempre bom compreender que ele é uma realidade composta de diversas manifestações, ora municipal, ora estadual, ora federal, mas sempre com unidade na ação essencial, qual seja ser instrumento político-administrativo para a acumulação capitalista e a preservação do sistema em termos políticos. É, pois, nessa realidade que os processos revolucionários acontecem. Sem manuais, sem bulas e sem cânones a serem seguidos. Uma autêntica criação histórica. Para ficar mais fácil o entendimento do atual processo político venezuelano é necessário se compreender que agora é que está acontecendo a industrialização real do país, com a substituição das importações. Pode-se dizer que só agora é que surgem os elementos e fatores para a consolidação de uma burguesia nacional. Uma burguesia que também tem seu projeto de expansão e poder. Assim é que se deve entender uma série de medidas econômicas e políticas adotadas pelo governo. Medidas para reduzir o poder e a influência do imperialismo e seus aliados oligarcas. O simples fato do Presidente Chávez vislumbrar a necessidade de marcos constitucionais capazes de possibilitar mudanças menos traumáticas, numa quase transição pacífica de um estado capitalista para um estado socialista, não significa que a maioria da população venezuelana tivesse compreendido ou aceito os benefícios e vantagens que obteria com as mudanças propostas. É, pois, dentro desse quadro real que o processo terá que se desenvolver. Ou seja, há um conhecimento que inexistia antes e que pode servir de guia para o futuro. Um futuro que deverá ser construído a partir da prática unitária da ação, do avanço da consciência política e da nítida compreensão tática dos momentos. As próximas eleições estaduais e municipais poderão ser a base para esse salto, com a escolha de candidatos realmente revolucionários e de clara identidade com o povo. Mais do que um Bolívar Fuerte é necessário um Partido Fuerte, aliado a Partidos Fuertes.

[*] Jornalista, brasileiro, editor do blog http://pedroayres.blogspot.com/.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 23 de março de 2008

A Tristeza é Marxista

O meu artigo publicado na Dia D da passada Sexta-feira.

Johan Norberg é um liberal sueco (!), que proferiu no dia 11 de Outubro de 2005, no Centre for Independent Studies em Sydney, uma palestra sobre a importância do capitalismo na conquista do bem estar e na crença no futuro. Segundo Norberg, os filósofos Iluministas dos séculos XVII e XVIII, demonstraram que o mundo podia ser compreendido de forma racional e que, através do uso da liberdade, melhorado. Daqui em diante, fruto da cooperação entre os homens e das trocas comerciais, o progresso foi alucinante. O nível de vida melhorou e continua a melhorar todos os dias e em todos os pontos da Terra. No entanto...No entanto, há quem diga que o passado era melhor que o presente. E mais ainda quem tema o futuro.Como Norberg bem explica, a desconfiança perante o sucesso da humanidade tem raízes profundamente marxistas. A noção que alguém tem de pagar para que outros vençam, prosperem e que o enriquecimento de uns é sempre proporcional ao empobrecimento de outros. A teoria da soma zero. Estes preconceitos ideológicos, que a história demonstrou estarem totalmente errados, ainda se mantém. Os socialistas de hoje já não têm coragem de falar em luta de classes, mas transferiram o seu discurso para o que qualificam de problemas ambientais. A nova tese é que o aumento do consumo e da produção conduz à poluição e escassez dos recursos naturais. Esquecem que o progresso leva ao desenvolvimento de novas tecnologias mais limpas e menos poluentes. Da mesma forma que sucedeu no passado, não vêem o lado bom do bem estar, desconfiam do homem e das suas virtudes.Outro novo argumento socialista, que Norberg salienta, é que crescimento económico não produz felicidade porque estamos sempre preocupados com a nossa posição relativamente aos demais. Por cada trabalhador aumentado, haverá um número abissal de outros, tristes por não o serem. É novamente o conceito da soma zero e um novo fôlego intelectual para que todos sejam tratados de forma igual, mesmo que uns sejam mais empenhados que outros.Mas será esta visão marxista verdadeira? Não. A história da humanidade mostra-nos o contrário. Que em todos os continentes se vive melhor que no passado. Que uns seres humanos beneficiaram mais que outros com o desenvolvimento, mas ninguém ficou para trás. Esta minha última frase é capaz de levantar o sobrolho do leitor, mas a desconfiança que sente resulta da propensão para reter o que corre mal. Ninguém recorda os sucessos porque são as dificuldades que não nos saem da cabeça. Se na Europa se perdem 100 postos de trabalho, ninguém se dá ao cuidado de ver os 1000 empregos criados na China. Somos demasiado parciais e nessa parcialidade queremos fazer julgamentos universais. A nossa análise subjectiva diz-nos que o mundo está pior, quando ele melhora todos os dias.Para um socialista impregnado que está do vício mental marxista, apenas a regulamentação da nossa vida impede que nos estraguem a felicidade. Acontece que, ser marxista hoje é o equivalente a no passado acreditar em bruxarias. Sem liberdade empreendedora, desregulamentação social, não há desenvolvimento, não surgem oportunidades, nem desafios para serem vencidos. A vida estagna e entristece. Ao contrário, numa sociedade liberal, verdadeiramente livre, sem barreiras à criatividade humana, existe mais variedade profissional, mais escolhas e maior troca de interesses e conhecimentos. Há sempre uma janela aberta que não tínhamos visto. O conhecimento é, aliás, uma arma fundamental para combater o novo ópio do povo que é o pessimismo marxista. É o conhecimento que nos leva a ver as coisas em perspectiva, no seu conjunto e de forma isenta. Ultrapassar de vez o colossal erro marxista, que nos empobrece económica e culturalmente, é dos maiores desafios que se nos apresentam hoje.

Publicado por André Abrantes Amaral em fevereiro 21, 2007 01:04 PM

TrackBackComentários:

O conhecimento é a luz que nos ajuda a combater as trevas, e o libralismo a chave para nos libertar das correntes politicas, ideológicas e religiosas que impedem, com o seu fundamentalismo, o Homem de ser verdadeiramente livre e assim sendo feliz.
Afixado por: miguelav em fevereiro 21, 2007 03:20 PM

Concordo plenamente com o comentário anterior, ainda por cima o link mostra um rapaz em estado de boa aventurança, o que tira qualquer vontade de o criticar.Acrescentaria porém alguma coisita, acho que devia ser debatida a questão da libido mal parada, como fonte dos problemas de crescimento do mundo. Se poder faça uma reflexão acerca do assunto.
Afixado por: Maria João F. em fevereiro 21, 2007 03:49 PM

O que é que é o "libralismo"? É a corrente dos seguidores dos nativos do signo Balança? (Desculpa mas não resisti.)O marxismo é tão fundamentalista como o liberalismo (ambos nas suas versões mais extremas). Ambos acreditam nas potencialidades do Homem, desde que este se comporte sempre de acordo com o que dele esperam.
Afixado por: Filipe Moura em fevereiro 22, 2007 02:43 PM

Queria ver Johan Norberg trabalhando nos novos maravilhosos postos de trabalho da China. E vendo a vida melhorar nas favelas do Rio.Afixado por: Gabriel Baesso em maio 19, 2007 04:27 AM
http://observador.weblog.com.pt/arquivo/385182.html
Caso casino

Casino de Lisboa
Eles desmentem e desmentem e desmentem...
Depois das notícias do Expresso sobre o Casino Lisboa temos assistido a um autêntico festival de desmentidos. Mas que factos têm sido mesmo postos em causa?

O que o Expresso publicou é simples:
1) Que a lei que vinha de 1989 impunha que todos os equipamentos de um Casino revertessem para o Estado no final das respectivas concessões, independentemente de terem, ou não, sido adquiridos.
2) Que quando o Estado decidiu (de forma polémica) estender a concessão do jogo no Estoril a um casino em Lisboa (que, primeiro, era para ser um pequeno local de jogo e não um casino praticamente com a mesma dimensão daquele que há no Estoril), estava previsto que o edifício revertia para o Estado.
3) O Inspector Geral de Jogos afirmava, até, que com a lei que estava em vigor, o edifício teria obrigatoriamente de reverter para o Estado. O mesmo disseram administrativistas contactados pelo Expresso e, ainda na última edição, a advogada Paula Teixeira da Cruz que fez parte da comissão que reviu a lei do Jogo.
4) Que, depois ter pago uns milhões à Parque Expo pelo Pavilhão do Futuro, a sociedade Estoril Sol terá entendido que não deveria devolver o edifício no fim da concessão, como a lei estipulava.
5) Que a Estoril Sol pressionou quem pôde para que tal não acontecesse.
6) Que, finalmente, no Governo Santana Lopes, as pressões tiveram efeito e a lei foi mudada.
7) Que, por fim, com a lei mudada, a Inspecção Geral de Jogos (IGJ) deu um parecer favorável à não reversão do edifício para o Estado.
8) Que, já em Fevereiro de 2005, no final do Governo PSD/CDS e sendo ministro do Turismo Telmo Correia, este colocou um 'visto' nesse parecer da IGJ.
9) Que os muitos milhões que a Estoril Sol terá gasto decorrem da lei que então existia, sendo que ninguém a obrigou a participar neste ou em qualquer negócio.
10) Que o Expresso jamais alegou que Santana, Telmo ou qualquer outro ministro tenham sido beneficiados por este negócio.Além disso, o Expresso noticiou: que há escutas telefónicas que provam a intercessão do presidente da Estoril Sol junto de um dirigente do CDS (Abel Pinheiro) no sentido de Telmo assinar o despacho; que é o próprio Paulo Portas a informar Abel Pinheiro (provavelmente para este informar o presidente da Estoril Sol, Mário Assis Ferreira) que o visto estava colocado por Telmo. E ainda que um assessor de Telmo passou a prestar serviços na Estoril Sol depois dessa data, facto que é combinado nas mesmas escutas. A todos os escutados o Expresso pediu autorização para divulgar as escutas, mas nem um só autorizou.Tudo isto existe e é factual. Ainda que desmintam, que vejam motivações políticas ou outras, o Expresso contribuiu para explicar como se tomam certas decisões em Portugal. Não foi excepção, certamente, nem isto torna os actores envolvidos piores do que outros. Mas sem estas denúncias, tudo continuará como sempre. Como foi neste caso.

A Direcção do Expresso
Terça-feira, 19 de Fevereiro de 2008

Casino de Lisboa

Governo de Santana Lopes mudou Lei do Jogo a pedido da Estoril-SolExpresso revela documento enviado em Agosto de 2004 pela Estoril-Sol ao ministro do Turismo Telmo Correia, no qual foi defendida uma alteração cirúrgica ao artigo 27 da Lei do Jogo.

Segundo a concessionária do jogo, a mudança seria "totalmente imperceptível" e "insusceptível de ser interpretada como relacionável com a clarificação da situação" do Casino de Lisboa.Em Agosto de 2004, a Estoril-Sol enviou um extenso documento ao então ministro do Turismo, Telmo Correia, no qual sugeriu uma alteração cirúrgica ao artigo 27 da Lei do Jogo que regulava a reversibilidade obrigatória dos edifícios e equipamentos dos casinos para o Estado. Segundo o documento, a que o Expresso teve acesso (e que disponibiliza para download), a empresa considerou que a tal alteração seria inócua às demais concessões e "também totalmente imperceptível quer pela simultaneidade da sua publicação com as demais alterações de artigos do mesmo Decreto-lei, quer pela sua formulação genérica e abstracta, insusceptível de ser interpretada como relacionável com a clarificação da situação concreta". Ou seja, o Casino de Lisboa. A filosofia da proposta acabou por ser acolhida em Dezembro de 2004, quando o governo de Santana Lopes aprovou uma alteração à Lei do Jogo.No mesmo documento, pode ler-se que a empresa chega a formular uma proposta de redacção do artigo em questão. Só que, uma vez que tal lei teria de ter efeito retroactivo, a sugestão passou pela criação de um ponto com esta redacção: "Não são reversíveis para o Estado, no termo da concessão, os casinos que ainda não se encontrem em funcionamento à data de entrada em vigor do presente diploma, quando a lei a que se refere o número 1 não determinar a sua reversibilidade". Esta redacção não consta do decreto-lei de Dezembro de 2004. Contudo, ficou consignado que as alterações aprovadas se aplicariam a todos os contratos de concessão em vigor , o que permitiu que o edifício do antigo Pavilhão do Futuro e o parque de estacionamento fiquem propriedade da Estoril-Sol, mesmo após terminar a concessão. Recorde-se que, de acordo com a lei anterior, os edifícios e equipamentos dos casinos revertiam para o Estado no final do contrato, mesmo que tivessem sido adquiridos pelo concessionário.Amanhã, o Expresso revela mais pormenores sobre todo o processo de implantação do Casino de Lisboa. Um caso que, para Helena Roseta, vereadora da Câmara de Lisboa, ilustra o "capitalismo de favores" .
Via: Expresso

General Garcia Leandro

Sábado, 1 de Março de 2008

CORRUPÇÃO

O modo como se tem desenvolvido a vida das grandes empresas, nomeadamente da banca e dos seguros, envolvendo BCP e Banco de Portugal, incluindo as remunerações dos seus administradores e respectivas mordomias, transformou-se num escândalo nacional, criando a repulsa generalizada. É consensual que o país precisa de grandes reformas e tal esforço deve ser reconhecido a este Governo (mesmo com os erros e exageros que têm acontecido). Alguém tinha de o fazer e este Governo arregaçou as mangas para algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas não tocou nestes grandes beneficiários que envergonham a democracia, com a agravante de se pedirem sacrifícios à generalidade da população que já vive com muitas dificuldades. O excesso de benefícios daqueles administradores já levou a que o próprio Presidente da República tivesse sentido a obrigação de intervir publicamente. Mas tudo continua na mesma; a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor. Uma recente sondagem Gallup a nível mundial, e também em Portugal, mostra a falta de confiança que existe nos responsáveis políticos deste regime. Tenho 47 anos de serviço ao Estado, nas mais diferentes funções de grande responsabilidade, sei como se pode governar com sentido de serviço público, sem qualquer vantagem pessoal, e sei qual é a minha pensão de aposentação publicada em D.R. Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias. Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido. Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa. É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões. Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta. Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade. É espantosa a reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção, sendo evidente que a falta de vergonha deve ser provada; e se olhassem para dentro dos partidos e começassem a fazer a separação entre o trigo e o joio? Seria um bom princípio! Corrija-se o que está errado, as mordomias e as injustiças, e a tranquilidade voltará, porque o povo compreende os sacrifícios se forem distribuídos por todos.

GENERAL GARCIA LEANDRO (Artigo do semanário 'Expresso' )
Foi entrevistado na SIC Notícias, onde confirmou esta atitude!

Divisão do Trabalho

Divisão do Trabalho

A nova divisão internacional do trabalho e a América Latina

(*) Ivonaldo Leite

Desde há tempos, sabemos que a relação entre as forças do mercado, alusivas a comércio, movimento de capitais e mão-de-obra, não ocorre neutralmente, num terreno vazio, fazendo com que o curso da evolução sócio-histórica dos países seja homogénea. Como bem realçou Marx, foi o aparecimento da grande indústria que permitiu a divisão do trabalho, atribuindo à cada parte do mundo funções económicas distintas.Fundamentalmente, a correlação de forças entre as diferentes nações engendra uma geografia internacional de produção/absorção de riquezas e de criação/destruição de postos de trabalho, que, ao fim e ao cabo, abrem portas a múltiplas formas de dominação de um país/região por outro/a, através das dimensões económica, militar, política e cultural. Sem muito palavrório: A divisão internacional do trabalho é resultado da lógica de funcionamento do modo capitalista de produzir. Ela não decorre de um ordenamento natural e nem tampouco, de per si, garante os supostos “benefícios igualitários” imaginados pelas construções teóricas desenvolvidas em torno das vantagens comparativas.Quando se diz que a actual divisão internacional do trabalho, a terceira, difere das duas anteriores, deve-se ter presente, por exemplo, que estas buscaram, de determinada maneira, suporte na produção. Bem diferentes são as coisas hoje. É facto que a primeira divisão foi impulsionada pelas duas revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX, sendo a segunda configurada no pós-Segunda Guerra, no quadro da então Guerra Fria, donde surgiu um “conjunto de nações intermediárias”, a exemplo dos ditos “tigres asiáticos”, bem como, na América Latina, dos países que, apesar da dependência, alcançaram algum grau de desenvolvimento, tornando-se mesmo exportadores de produtos manufacturados.Por sua vez, a terceira divisão internacional do trabalho deita as suas raízes entre o fim da década de 1960/início da de 1970. Data desta altura o esgotamento das bases institucionais do desenvolvimento capitalista constituídas no pós-Segunda Guerra. Com o estiolamento do pacto firmado pelo acordo de Bretton Woods, evaporaram-se os mecanismos de controle financeiro que forçavam a maior valorização produtiva do capital e o comprometimento com o pleno emprego, por via das políticas keynesianas. Daí emerge uma intensa movimentação do capital financeiro, que, alimentado pelas taxas de juros, trava a expansão produtiva. A financeirização fictícia do capitalismo dos oligopólios expressa a sua face, por exemplo, na irracionalidade que é a contenda das acções, em busca do lucro, sem a mediação da produção.De resto, três variáveis têm marcado o curso da terceira divisão internacional do trabalho: a revolução técnico-científica, o processo de globalização e a regionalização. A primeira condiciona a evolução das forças produtivas no sentido de um gasto crescente em pesquisa e desenvolvimento, planejamento, design e na formação de mão-de-obra de alta qualificação, ao mesmo tempo que, em decorrência da automação, dispensa o trabalho produtivo, ampliando o excedente de desempregados. O processo de globalização conecta todo o planeta, com livres vias para a circulação do capital especulativo. A regionalização - à primeira vista um paradoxo num tempo de globalização, se não se considerar a concorrência inter-monoplista – leva a formação de blocos de países e tende a gerar poderes supra-estatais.É perante essa conjuntura que a América Latina se encontra hoje posta. Após anos tentando escapar do conceito de dependência como ponto de referência para explicar a realidade latino-americana, a análise social da região volta a se deparar com as questões primeiras colocadas pelo mesmo. É que, por mais que se queira encerrar em esquemas as possibilidades estruturais da história, esta nos torna, a cada momento, dupes de nous-mêmes, e nos surpreende com desdobramentos imprevistos.A América Latina situa-se no contexto global de maneira dependente. Está longe de ser uma protagonista central no desenvolvimento da revolução científico-técnica. Na verdade, ela recebe as influências desta sob a forma de importação de tecnologias e conhecimentos.Um capítulo à parte no continente latino-americano é a América do Sul. Tendo ascendido a governos de países seus líderes definidos como de esquerda, não têm sido poucos os que identificam uma viragem popular na mesma, a romper com as estruturas que historicamente lhe caracterizam. De outra parte, há os que não vêem nada mais do que, nalguns casos, discursos populistas. Seja como for, as acções de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Néstor Kirchner (Argentina), Michellet Bachelet (Chile), Tabaré Vázquez (Uruguai), Lula (Brasil) e Hugo Chávez (Venezuela) têm figurado na agenda do debate político actual. Do grupo, sobressaem-se Chávez e Morales como os que, à esquerda, têm sido mais activos na iniciativa política. Contudo, sem arroubos, é recomendável cautela nas apreciações, até porquê, independente da retórica pessoal dos governantes, o que está em causa é a necessidade de enfrentar desafios concretos, como condição para que a América do Sul (e a Central) supere os seus problemas socais e a sua condição de dependência, no cenário, agora, de uma nova divisão internacional do trabalho – o que passa pela questão da integração. Dos desafios a enfrentar, refiro apenas três.O primeiro diz respeito à hegemonia norte-americana na região. Data do fim da Segunda Guerra a formação na América Latina de um amplo aparelho estadunidense. Ele arrancou com o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), assinado no Rio de Janeiro em 1947, estabelecendo a “unidade” interamericana contra o “inimigo externo”, donde resultou a Organização dos Estados Americanos (OEA). Mais tarde, a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) veio a potencializar ainda mais o referido aparelho. A partir daí, ações como a chamada Aliança para o Progresso consubstanciaram a ingerência norte-americana, abrindo caminho para a intervenção política directa, que foi materializada através do patrocínio/apoio às ditaduras militares instauradas na região. A este respeito, foi paradigmática a intervenção norte-americana em Santo Domingo, em 1965, com o respaldo da OEA.Em boa verdade, o expansionismo norte-americano no continente decorre de uma concepção que considera a América Espanhola/Portuguesa como um território interno dos Estados Unidos, na medida em que, por exemplo, a ligação entre o Atlântico e o Pacífico se faz por via da América Central e do Caribe. O lema “a América para os americanos”, da doutrina Monroe, ao fim e ao cabo, deu expressão histórica ao sentimento imperial do país na região. Mais recentemente, a tentativa de criar a Àrea de Livre Comércio das Américas (ALCA) inscreve-se nessa lógica de domínio imperial, disfarçado, no entanto, sob as tintas de pretensos acordos diplomáticos.O segundo desafio diz respeito à decisão político-institucional de fazer a integração. Fundamentalmente, é preciso ter em linha de conta que a integração latino-americana não depende só de acções diplomáticas conjuntas dos Estados em relação ao exterior, mas demanda sobretudo a capacidade de gerar instâncias autônomas, instituições e procedimentos capazes de a formatar.A polémica em volta dos interesses brasileiros na Bolívia, com a decisão do Presidente Evo Morales de nacionalizar a produção de gás e petróleo, é um exemplo das dificuldades político-institucionais da integração. Também são exemplos neste sentido as declarações de paraguaios segundo as quais o Brasil é um país imperialista, bem como os desentendimentos entre argentinos e uruguaios.O terceiro desafio refere-se ao carácter da integração. Antes de mais nada, é preciso, definitivamente, pôr a baixo a tese de que a América Latina tende ao subdesenvolvimento por causa da falta de capitais. Na realidade, eles são grandes exportadores dos seus excedentes em forma de preços relativos desfavoráveis, lucros das empresas transnacionais, pagamentos de serviços de uma dívida externa ardilosamente montada e remessas de rendas do establishment local para os países capitalistas centrais.Perante tal quadro, não resta à integração latino-americana senão uma perspectiva contra-hegemónica, com um projecto político estruturado em etapas que contemplem o curto, o médio e o longo prazo. Firmando as suas bases na consciente vontade popular, na acção autônoma dos Estados regionais e na busca de um universal dialéctico que abstrai os elementos mais simples dos particulares concretos, esse projecto há de seguir a senda de um outro mundo possível, que, ao socializar o bem-estar, ponha termo à extrema contradição entre a dimensão social da produção e a sua apropriação privada.Como se constata, principalmente tendo em conta a nova divisão internacional do trabalho, os desafios para que a América Latina supere a dependênica e realize a sua integração são bastante concretos. Deitar-se-ão por terra, portanto, as proclamações de lideranças que não passem de mera retórica, assim como elas próprias, se tergiversarem no personalismo, não resistirão ao crivo da história. Afinal, além de esta ser, conforme a sabedoria latina realça, mestra da vida, senhora dos tempos e luz da verdade, é nela, como esfera da praxis, que se comprova ou não a procedência do que é dito como discurso.

(*) Ivonaldo Leite é doutorado em Ciências da Educação e professor na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/Brasil. Tem desenvolvido investigação na área da pedagogia e da história do sindicalismo. Em Portugal publicou ‘Novas tecnologias, trabalho e educação’ (Dinossauro, 2002).

Via: http://www.ocomuneiro.com/nr5_08_IvonaldoLeite-Anovadivisaointernacionaldotrabalho.html

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