segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Lição do Zimbabwe

Mário Crespo

Um dos primeiros actos do Governo eleito de Robert Mugabe, em 1980, foi chamar a Salisburia (a capital só mudou de nome dois anos depois) delegações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para estruturar uma economia viável para o país.

Apesar do desgaste causado por década e meia de guerra de libertação, o Zimbabwe tinha chegado à independência mantendo a posição de maior produtor africano de milho. Atestando o reconhecimento da importância da estabilidade da actividade agrícola no primeiro Governo de Mugabe, a pasta da agricultura e planeamento foi entregue a um agricultor branco.

O FMI recomendou que a prática centenária, que vinha desde a administração colonial de Cecil Rhodes, de reter como reserva estratégica um ano de produção de cereais, fosse descontinuada. Nesse ano de independência, o excesso de produção tinha sido historicamente alto. Para os reguladores do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional o que havia a fazer era vender a reserva estratégica de cereais, já que o preço do milho, em 1980, estava em alta histórica. O dinheiro obtido deveria ser usado para reduzir o défice. Adicionalmente, os peritos de Washington insistiram com o novo Governo que nos planos para futuras campanhas agrícolas mais terreno fosse dedicado à cultura do tabaco e menos ao milho, uma vez que os excessos de produção de cereais eram desnecessários e o FMI previa que as cotações do tabaco subissem. E assim foi feito. Com as contas equilibradas, algo nunca visto na África subequatorial, sem milho de reserva, com um plano governamental de subsídios para a conversão de milho em tabaco e com o aplauso dos conselheiros de Washington, o Zimbabwe inaugurou a sua vida de país independente. Mas o FMI estava errado. O preço do tabaco não subiu e 1980 inaugurou um ciclo de seca na África Austral que iria durar mais de uma década. De exportador de milho, o Zimbabwe passou a ter que o importar para satisfazer o consumo interno. O milho híbrido dos Estados Unidos ganhou mais um cliente em África e o Zimbabwe entrou para o rol dos países africanos onde a fome e a instabilidade política são crónicas.

De uma situação de quase pleno emprego, o Zimbabwe passou a ter hordas de descontentes a pressionar os comités políticos para que lhes dessem um benefício palpável da independência. O poder político optou por uma reforma agrária impiedosa, que acabou por destruir o que restava do sector agrícola nacional que está hoje reduzido à indigência. Para aplacar a poderosa ala militar da Zanu, ela também a manifestar perigoso descontentamento, Mugabe apostou no saque à mão armada do Congo, numa confusa aliança militar paga em diamantes e petrodólares, dinamizada por José Eduardo dos Santos a coberto de um suposto apoio ao Governo de Kabila. A situação mantém-se há uma década com total cumplicidade da União Europeia. O drama que hoje se desenrola no Zimbabwe é consequência de tudo isto e a saída de Mugabe da cena vai ser apenas uma parte da solução. O resto está numa alteração profunda de paradigmas de desenvolvimento que aceitem que o bem-estar nem sempre é uma função meramente contabilística de défices orçamentais e balanças de pagamentos. E esse não é um problema exclusivo do Zimbabwe.

http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=M%E1rio%20Crespo

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