terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Crise Financeira Global Tem Uma causa Social: Os Baixos Salários Mundiais

por Emiliano Brancaccio [*]

entrevistado por Waldemar Bolze

O sr. sustenta que a crise financeira não é um fenómeno puramente técnico, mas tem uma causa social. Por que?
O ponto de partida é a fraqueza do movimento trabalhista, a qual tornou possível um mundo de salários baixos. Contudo, este muto é estruturalmente instável, o que estamos agora principiando a experimentar. Hoje todos os países tentam manter o nível de salário baixo, diminuindo portanto a procura interna, e têm de encontrar mercados externos para os seus próprios produtos.

Este mecanismo funcionou durante os últimos dez anos porque os Estados Unidos funcionaram como um "aspirador" para os produtos excedentes de outros países. E não porque os salários dos trabalhadores fossem demasiado altos e sim porque foi acumulada uma enorme dívida privada nos EUA. O sistema levou a trabalhadores a pagarem suas dívidas hipotecárias com novos empréstimos e a pagarem os juros dos empréstimos com novos cartões de crédito.

Poderia uma estrutura de crédito realmente tão frágil manter-se?

Isto não era senão um bomba relógio, a qual explodiu agora. As consequências são mais uma vez passadas aos trabalhadores e empregados, ao passo que os executivos da Wall Street, que fabricaram estes explosivos, podem até mesmo lucrar com isso.

Tome, por exemplo, o plano Paulson. Ele estipula que o governo vai comprar os activos arriscados dos bancos de investimento e em troca colocar dinheiro fresco à sua disposição, deixando a possibilidade de que os bancos, uma vez passada a tempestade, possam recuperar os seus títulos. Se o governo pagar preços bastante altos, os banqueiros podem finalmente embolsar um lindo lucro a expensas do orçamento do Estado.

Qual o impacto óbvio que terá esta crise?

Dependerá muito da sua duração e profundidade. Por enquanto, o establishment está a seguir uma estratégia que Giuseppe Tomasi di Lampedusa descreveu no seu livro O Leopardo: "Se quisermos que tudo permaneça na mesma, temos de mudar alguma coisa". O plano Paulson é um exemplo desta estratégia, porque consiste numa permuta de cash por dívidas, concebida para intervir o menos possível em termos de propriedade e de controle do capital bancário. O mesmo se aplica às vendas de acções preferenciais ao governo porque este restringe o direito de voto nas assembleias de accionistas.

Será que a ideologia do neoliberalismo fracassou e que os dias do capitalismo estão contados?
A ideia é divertida, mas seria ingénuo assumir um fim iminente do capitalismo. Não posso ver como tal coisa possa materializar-se. O grande ausente neste colossal estado de emergência é precisamente o movimento trabalhista. Ao invés disso, vejo a possibilidade de uma mudança no poder relativo dos lobbies das finanças para grupos de pressão política e também de lobbies ocidentais e americanos para outros asiáticos.

Podemos então falar do declínio do império americano?

Apesar da aparência e de todas as altas temporárias e dos acontecimentos a curto prazo, o declínio americano tem-se verificado de há pelo menos um quarto de século. Um sintoma deste declínio é o comportamento a longo prazo do dólar, cujo preço – convertido à divisa de hoje – em 20 anos caiu de 1,50 euro para cerca de 70 centavos de euro. Este declínio assegura desconfiança em relação ao dólar e provavelmente impedirá os EUA de desempenharem novamente o papel de "aspirador" para os produtos excedentes de outros países. Uma vez que não há um poder hegemónico internacional alternativo, há um perigo de que o sistema monetário internacional venha a encontrar-se num beco sem saída. Neste caso, o desenvolvimento desta crise poderia ganhar características realmente negras e imprevisíveis.

A entrevista original em alemão foi publicada em junge Welt , de 09/Outubro/2008.

[*] Professor de economia do trabalho na Universidade de Sannio, membro da Rifondazione Comunista, e conselheiro da maior federação italiana de sindicatos metalúrgicos, a FIOM-CGIL.

A versão em inglês encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/bolze091008.html

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Wall Street vs Main Street

O apontar de dedos e a mudança de sistema

por Rick Wolff

Em meio à actual crise capitalista, propaga-se o medo e surgem bodes espiatórios. Os media e os políticos acusam os suspeitos do costume. Podem seguir-se prisões. Mas poucos reconhecem o sistema como sendo o próprio problema, ao invés deste ou daquele grupo que reage às exigências e pressões do mesmo. É verdade que a palavra "capitalismo" agora torna-se comum na discussão pública. Mas ela aqui está a significar o big business, os grandes bancos, ou a Wall Street, ao invés do próprio sistema que liga em conjunto todas as ruas, negócios, trabalhadores, famílias e governo.

Os da extrema direita mais primária culpam os compradores de casa, agora incapazes de pagar as suas hipotecas subprime. Aqueles ligeiramente mais refinados denunciam a intervenção do governo – destinada a ajudar as minorias e os pobres a tornarem-se proprietários de casas – por tudo o que for que aflija a economia. Os mais grosseiros de todos misturam Wall Street, banqueiros e iniciados vigaristas de Washington em conspirações para lucro pessoal e/ou vender os EUA ao comunismo mundial ou ao terrorismo ou talvez a muçulmanos.

À esquerda, entre os favoritos para o chicote incluem-se a Wall Street, banqueiros, hedge funds, executivos super bem pagos, corporações vigaristas e políticos comprometidos que deixaram coisas más acontecerem "à nossa economia". Os da esquerda mais refinada acrescentam condenações "à desregulamentação neoliberal". Desde a eleição de Reagan, dizem eles, as falhas do governo em regulamentar mercados e controlar empresas privadas facilitaram o mau comportamento das finanças selvagens que agora nos deixaram tão em baixo.

Nenhum lado trata o sistema capitalista como o problema básico. Mais exactamente, ambos sobretudo concordam em que a rede inter-actuante de corporações com seus conselhos de directores, administradores assalariados e trabalhadores assalariados são os fundamentos necessários e adequados "da nossa economia". Tal como aquela rede, o capitalismo aparece-lhes como inevitável, e portanto não há alvo apropriado para a direita ou a esquerda. Ao invés disso, eles debatem quanto de culpa deveria ser atribuída a este ou àquele grupo por "provocar" a crise: pessoas pobres, ou demasiada grande/pequena intervenção do governo, ou os ricos super remunerados com hedge funds, ou as corruptas maçãs podres que infectam o sistema. Os dedos apontam culpados que estragam um capitalismo – a "nossa economia" – que de outra forma funcionaria muito bem.

Considere-se o debate Wall Street X Main Street [1] . Muitos de esquerda e não poucos de direita acusam a Wall Street de "causar" a confusão das hipotecas subprime (como se incontáveis bancos da Main Street e correctores de hipotecas não tivessem vendido lucrativas hipotecas a habitantes locais incapazes de suportá-las). Eles olham com rancor a Wall Street por ter inventado os "derivativos", aqueles perigosos novos artifícios financeiros (como se os tipos da Main Street não houvessem investido e lucrado com eles). Os de esquerda clamam que a Wall Street levou os políticos a desregulamentarem a economia (como se muitos negócios na Main Street não apoiassem da mesma forma a desregulamentação e lucrassem com ela). Muitos de direita afirmam que a insuficiente desregulamentação do governo, devido à influência da Wall Street, provocou a crise (como se a Main Street não se beneficiasse com a intervenção do governo). Tanto os de direita como os de esquerda culpam a Wall Street e Washington por produzirem em conjunto a bolha habitacional e imobiliária (como se a Main Street não incentivasse os aumentos de preços e a construção de casas, a procura acrescida por produtos para as casas, os empregos resultantes, os rendimentos, a arrecadação fiscal, etc).

Quando este mais recente boom do capitalismo entrou em falência, a Wall Street e a Main Street mudaram da cooperação mutuamente lucrativa para uma luta pela sobrevivência. A Main Street teme que a Wall Street venha a utilizar seu poder, dinheiro e influência para despejar os sofrimentos da crise económica sobre os trabalhadores e os governos (cortando salários e empregos, pagando menos impostos, e exigindo mais ajuda e salvamentos do governo). Isto prejudicará a Main Street. O capitalismo funciona para transferir os custos económicos para baixo na estrutura económica e os ganhos económicos para cima. Assim, a Main Street combate com campanhas de opinião pública a culpar a Wall Street pela crise. Nesta desavença entre ladrões, esquerda e direita sobretudo tomam partidos ao invés de rejeitar o sistema que gerou aqueles ladrões. A posição alternativa seria exigir mudança do sistema.

Mudança de sistema não quer dizer o que Paulson e Bernanke agora planeiam: comprar acções de bancos privados dos EUA. Neste "nacionalização" parcial dos bancos, o governo estado-unidense comprar e possuirá acções de bancos e possivelmente colocará responsáveis do Estado nos conselhos directores dos bancos. Empresas privadas tornar-se-ão portanto, parcialmente e provavelmente temporariamente, empresas públicas. Esta mudança é grande para Bush, Paulson e Bernanke porque eles sempre denunciaram empresas públicas como socialismo ou comunismo.

Mas substituir membros privados de conselhos de administração de bancos (eleitos por e responsáveis perante accionistas privados) por membros públicos (nomeados por e responsáveis por funcionários do Estado) basicamente não muda o sistema. Os trabalhadores ainda trabalham das 9 às 17; eles ainda seguem as ordens da direcção; e os bens, serviços e lucros que eles produzem pertencem aos conselhos de administradores para servirem os seus interesses. Tais conselhos, sejam privados ou públicos, ainda dão as ordens, vendem os produtos, recebem os rendimentos e decidem como utilizar os lucros. As profundas desigualdades entre trabalhadores e conselhos de administração permanecem. A profunda ausência de democracia no lugar de trabalho capitalista permanece. Tanto conselho de administração públicos como privados historicamente procuraram evadir, enfraquecer ou eliminar controles e regulamentações do Estado que limitavam sua liberdade de acção e sua lucratividade (tanto na URSS como nos EUA).

O capitalismo tem oscilado por toda a parte entre fases privadas e públicas. O capitalismo privado minimizou intervenções governamentais e sobretudo manteve funcionários do Estado fora de conselhos de administração. Em fases públicas do capitalismo, intervieram governos e por vezes substituíram membros privados de conselhos de administração por outro públicos. Crises de uma fase muitas vezes provocaram transição para a outra. A crise de 1929 do capitalismo privado dos EUA conduziu à intervenção do Estado do New Deal de Roosevelt (estabelecendo segurança social, seguro de desemprego e outros custosos – para os negócios – programas e regulamentos). A crise da década de 1970 do capitalismo regulado pelo Estado devolveu os EUA a outra fase capitalista privada, a era Reagan-Bush, a qual desfez a maior parte do New Deal. O que se seguirá à crise de hoje do capitalismo privado? Será que o pêndulo oscilará de volta ao capitalismo re-regulamentado pelo Estado? Se assim for, a comunidade de negócios dos EUA utilizará décadas de perícia acumulada em evadir, enfraquecer e finalmente eliminar a regulamentação do Estado. A re-regulamentação terá portanto vida curta. Ou poderá a alternativa da mudança do sistema tornar-se importante?

A mudança do sistema completaria a re-regulamentação com uma transformação dentro das empresas. Suponha que antigos conselhos de administração sejam substituídos por novos conselhos cujos membros entendem e partilham os objectivos da regulamentação ao invés de encarar a regulamentação como limitações a serem minadas. Isto pode acontecer se os novos conselhos abrangerem a colectividade dos próprios trabalhadores. As descrições de tarefa de todos os trabalhadores daí por diante combinariam o trabalho particular de cada um com a sua plena participação nas tarefas colectivas do conselho de administração.

Deste modo, trabalhadores-também-como-patrões poderiam conformar as regulamentações económicas – juntamente com outros trabalhadores dirigindo outras empresas – e então executá-las dentro de cada empresa. O conflito de interesses entre empregadores e empregados seria transformado uma vez que já não haveria grupos diferentes e opostos. Isto seria uma mudança real do sistema. Sem isto, conselhos de administração, privados e/ou públicos, continuarão a funcionar no futuro como o fizeram no passado. Eles minarão regulamentações destinadas a fazer com que a economia sirva a sociedade, continuarão a dirigir as suas empresas não democraticamente, manterão desigualdades económicas e continuarão a gerar crises económicas como aquela hoje impõem sobre todos nós.


14/Outubro/2008

[1] Nos EUA diz-se dos pequenos negócios que são da "Main Street".

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff141008.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

As Sete Vacas, Magrérrimas

por Guillermo Almeyra [*]

O suposto País das Maravilhas caiu no período atroz das pragas e das vacas magras. A actual crise financeira que abala os Estados Unidos e os restantes grandes centros capitalistas – e afecta duramente os da periferia – é apenas o começo de uma grande recessão e de uma depressão. Dar dinheiro aos banqueiros é lançá-lo num poço sem fundo. Porque o problema consiste em que a redução dos salários reais e a carestia reduzem o consumo, pois os consumidores super endividados temem pelo seu futuro e tratam de poupar e de consumir menos. Assim, as dívidas não podem ser pagas e ninguém se arrisca a dar crédito, as fábricas ao não venderem todos os seus produtos suspendem pessoal ou despedem-no, a desocupação alimenta a espiral recessiva, os emigrantes são expulsos ou perdem seu trabalho, o consumo de petróleo de outras matérias-primas é menor e seu preço cai, levando a crise aos sectores capitalistas extractivos ou agrícolas.

Com o derrube da União Soviética e o boom capitalista na China, o capital havia conseguido um enorme mercado de mão-de-obra cujos salários baixíssimos serviam para fazer baixar também os dos países industriais, seja por levarem as fábricas para a China, Vietnam ou os ex países "socialistas" da Europa oriental, seja por chantagearem os trabalhadores locais com essa ameaça. A transformação da China de uma grande potência que fabricava produtos de consumo baratos numa grande potência financeira que sustenta as finanças dos Estados Unidos e investe nesse país deu um duro golpe no capitalismo estado-unidense. Seus produtos de consumo não puderam competir com os salários chineses, suas fábricas e maquiladoras transferiram-se para o Oriente, inclusive a partir de países com salários baixíssimos como o México ou a Guatemala que se converteram em expulsores de mão-de-obra para os Estados Unidos. Este endividou-se e teve um défice comercial e também financeiro crescente. O crédito baratíssimo e a falta de controles sobre a especulação hipotecária e financeira alentaram o crescimento da bolha e a ideia dos cidadãos de que tudo ia bem e iria ainda melhor porque o país era sólido, uma grande potência e podia fazer qualquer coisa, sem excepção.

Tudo isso acabou, tal como depois da guerra acabou-se o poderio da libra esterlina e da Inglaterra como primeira potência financeira e industrial mundial. É certo que a unificação capitalista do mercado mundial faz com que a Rússia se quiser vender gás e petróleo (e armamentos) tenha de preocupar-se em evitar o colapso dos grandes países industriais e que se a China quiser exportar e cobrar seus títulos estado-unidenses deva preocupar-se pela manutenção do consumo no Estados Unidos, de modo que os competidores de Washington estão ligados ao futuro estado-unidense como ladrões atados por uma mesma corda. Mas o facto é que os Estados Unidos dependem da China, da União Europeia, da Rússia e não estes dos EUA. O omnipotência dá lugar à negociação-competição conflitiva de modo permanente. Washington hoje está em liberdade vigiada.

Seu futuro depende, como o de todas as outras potências, de que o capitalismo não caia por si só. Ou seja, de que não haja nenhuma força importante que compreenda que capitalismo, crise, guerra e desastre ambiental são uma só e a mesma coisa, provocada por uma mesma classe e um mesmo tipo de políticas e que não são inevitáveis nem resultados da perversidade do Senhor.

Falta então o coveiro do capitalismo. De modo que o provável é que a China, em vez de vender seus activos em dólares e por as suas reservas em outra moeda, sustentará os Estados Unidos, tentando ao mesmo tempo retirar alguma vantagem da crise. Porque se não exportasse bens de consumo para os Estados Unidos e a UE, suas fábricas fechariam, aumentaria a desocupação e poderiam surgir greves e sublevações camponesas. Mas, ao mesmo tempo, a crise no Ocidente é sobretudo uma crise do sector que produz alta tecnologia e bens de produção, o qual deixa à China margem para o seu desenvolvimento no referido sector, passando a ser uma grande potência tecnológica, financeira, industrial e comercial dentro de mais uns poucos anos. Nos anos 30, Franklin Roosevelt retirou os Estados Unidos do poço mediante grandes obras públicas keynesianas, concessões sociais importantes e a preparação da guerra mundial. A China poderia, só ou com a ajudar militar e técnica da Rússia, combater a contaminação, elevar os rendimentos, criar uma grande indústria pesada e um grande sector tecnológico de ponta. O centro do capitalismo mundial deslocar-se-ia assim, num futuro não muito longinquo, para o Oriente e os Estados Unidos voltariam então a ser uma grande potência regional, aumentando sua pressão sobre um continente que ameaça escapar-lhe.

Acerca dos efeitos da crise na América Latina será necessário voltar. Mas, em geral, muitos países serão afectados pela redução das remessas dos migrantes e abalados socialmente porque a migração será menor e reduzir-se-á essa válvula de escape que evitava explosões sociais. Além disso cairão os preços das matérias-primas agrícolas e mineiras e algo do petróleo, ainda que este seja mais escasso porque seus preços menores tornarão muito custosos os desenvolvimentos das jazidas de alto mar (como as brasileiras). Finalmente, agudizar-se-á a disputa pelos rendimentos entre os diferentes sectores capitalistas, por um lado, e entre os capitalistas e os trabalhadores e os pobres, pelo outro, enquanto a tendência à integração, ao desenvolvimento do mercado interno e a "viver com o que se tem" aumentará e a aceitação da ideologia neoliberal receberá um golpe duro.

[*] Doutor em Ciências Políticas (Univ. París VIII), professor investigador da Universidade Autónoma Metropolitana, unidade Xochimilco, do México, professor de Política Contemporânea da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autónoma do México.

O original encontra-se em http://www.jornada.unam.mx/2008/10/05/index.php?section=opinion&article=016a1pol

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

A Crise Financeira Global Tem Uma causa Social

A crise financeira global tem uma causa social: os baixos salários mundiais
por Emiliano Brancaccio [*]

entrevistado por Waldemar Bolze

O sr. sustenta que a crise financeira não é um fenómeno puramente técnico, mas tem uma causa social. Por que?

O ponto de partida é a fraqueza do movimento trabalhista, a qual tornou possível um mundo de salários baixos. Contudo, este muto é estruturalmente instável, o que estamos agora principiando a experimentar. Hoje todos os países tentam manter o nível de salário baixo, diminuindo portanto a procura interna, e têm de encontrar mercados externos para os seus próprios produtos.

Este mecanismo funcionou durante os últimos dez anos porque os Estados Unidos funcionaram como um "aspirador" para os produtos excedentes de outros países. E não porque os salários dos trabalhadores fossem demasiado altos e sim porque foi acumulada uma enorme dívida privada nos EUA. O sistema levou a trabalhadores a pagarem suas dívidas hipotecárias com novos empréstimos e a pagarem os juros dos empréstimos com novos cartões de crédito.

Poderia uma estrutura de crédito realmente tão frágil manter-se?

Isto não era senão um bomba relógio, a qual explodiu agora. As consequências são mais uma vez passadas aos trabalhadores e empregados, ao passo que os executivos da Wall Street, que fabricaram estes explosivos, podem até mesmo lucrar com isso.

Tome, por exemplo, o plano Paulson. Ele estipula que o governo vai comprar os activos arriscados dos bancos de investimento e em troca colocar dinheiro fresco à sua disposição, deixando a possibilidade de que os bancos, uma vez passada a tempestade, possam recuperar os seus títulos. Se o governo pagar preços bastante altos, os banqueiros podem finalmente embolsar um lindo lucro a expensas do orçamento do Estado.

Qual o impacto óbvio que terá esta crise?

Dependerá muito da sua duração e profundidade. Por enquanto, o establishment está a seguir uma estratégia que Giuseppe Tomasi di Lampedusa descreveu no seu livro O Leopardo: "Se quisermos que tudo permaneça na mesma, temos de mudar alguma coisa". O plano Paulson é um exemplo desta estratégia, porque consiste numa permuta de cash por dívidas, concebida para intervir o menos possível em termos de propriedade e de controle do capital bancário. O mesmo se aplica às vendas de acções preferenciais ao governo porque este restringe o direito de voto nas assembleias de accionistas.

Será que a ideologia do neoliberalismo fracassou e que os dias do capitalismo estão contados?

A ideia é divertida, mas seria ingénuo assumir um fim iminente do capitalismo. Não posso ver como tal coisa possa materializar-se. O grande ausente neste colossal estado de emergência é precisamente o movimento trabalhista. Ao invés disso, vejo a possibilidade de uma mudança no poder relativo dos lobbies das finanças para grupos de pressão política e também de lobbies ocidentais e americanos para outros asiáticos.

Podemos então falar do declínio do império americano?

Apesar da aparência e de todas as altas temporárias e dos acontecimentos a curto prazo, o declínio americano tem-se verificado de há pelo menos um quarto de século. Um sintoma deste declínio é o comportamento a longo prazo do dólar, cujo preço – convertido à divisa de hoje – em 20 anos caiu de 1,50 euro para cerca de 70 centavos de euro. Este declínio assegura desconfiança em relação ao dólar e provavelmente impedirá os EUA de desempenharem novamente o papel de "aspirador" para os produtos excedentes de outros países. Uma vez que não há um poder hegemónico internacional alternativo, há um perigo de que o sistema monetário internacional venha a encontrar-se num beco sem saída. Neste caso, o desenvolvimento desta crise poderia ganhar características realmente negras e imprevisíveis.

A entrevista original em alemão foi publicada em junge Welt , de 09/Outubro/2008.

[*] Professor de economia do trabalho na Universidade de Sannio, membro da Rifondazione Comunista, e conselheiro da maior federação italiana de sindicatos metalúrgicos, a FIOM-CGIL.

A versão em inglês encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/bolze091008.html

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

Génese da Crise

por Alejandro Nadal

A Reserva Federal arrisca-se cada vez mais e agora anuncia planos para comprar dívida de curto prazo às empresas. Isso distorce cada vez mais sua função original e revela a gravidade da situação. A ferocidade da crise, é claro, obriga a uma análise mais cuidadosa sobre a sua génese e a agenda política que lhe corresponde.

Em Janeiro de 1980 o governo estado-unidense autorizou o resgate da companhia automobilística Chrysler, que se encontrava em dificuldades desde 1975 devido à recessão. Os dirigentes da companhia propuseram um plano ao governo para reestruturar a empresa, fechando fábricas, reduzindo salários e cortando benefícios. Tudo isto seria feito com a ajuda da burocracia sindical.

Nos anos seguintes a Chrysler fechou 28 fábricas nos Estados Unidos, despediu 48 mil operários (de um total de 98 mil). Outros 20 mil empregados também perderam o seu emprego. Os mais jovens e militantes foram os primeiros a ser despedidos, ao passo que a burocracia sindical era recompensada. Numa manobra apresentada como exemplo de colaboração entre trabalhadores e empresa, o secretário do sindicato converteu-se em membro do conselho de directores da companhia.

Em Agosto de 1981 o sindicato de controladores aéreos profissionais dos Estados Unidos desencadeou uma greve em busca de aumentos salariais e melhores condições de trabalho. O sindicato estava a violar uma lei que proibia empregados federais de recorrerem à greve. O então presidente Reagan decidiu que isto era uma ameaça para a segurança nacional e enviou um ultimatum: ou regressavam ao trabalho em 48 horas ou seriam despedidos. Só uma minoria obedeceu e foram despedidos mais de 11 mil controladores. O sindicato perdeu seu registo em Outubro desse ano.

Estes dois episódios marcaram o princípio de uma ofensiva profunda contra os sindicatos nos Estados Unidos. O resultado principal foi o declínio dos sindicatos nesse país: entre 1977 e 1997 a percentagem da força de trabalho empregada com filiação sindical passou de 25 por cento a 14 por cento. O grande aliado do capital foi a chamada flexibilização laboral e, em especial, a eliminação de restrições para despedir trabalhadores (o sistema ficou conhecido pela frase hire and fire, contrata e despede). Outra arma contra os sindicatos foi a ameaça de perderem empregos devido ao livre comércio. A retórica das empresas era clara: se os sindicatos não reduzem suas exigências, perderemos a batalha da competitividade, fecharemos e todos sairão perdendo. A burocracia sindical acomodou-se, abandonando a busca de melhores condições laborais para cooperar com os patrões e o governo.

Em resultado, o salário mínimo e os contratuais sofreram uma redução de quase 10 por cento durante o período de 1979 a 1997. Seguiu-se uma modesta recuperação depois de 1998, o que permitiu recuperar o nível de 1979 em 2003. Contudo, a partir desse ano os salários retomaram sua tendência descendente. Ao longo destes anos intensificou-se a precariedade do trabalho e deteriorou-se a qualidade do emprego.

Durante este período histórico verifica-se um extraordinário incremento da desigualdade nos Estados Unidos. Entre 1973 e 1990 a produtividade manteve-se estagnada, mas entre 1995 e 2005 aumentou em 30 por cento. Contudo, os benefícios desse aumento foram para os estratos mais ricos: os 20 por cento mais privilegiados da força de trabalho activa viram seus rendimentos reais aumentar 30 por cento. Ao mesmo tempo, a queda no salário real dos 20 por cento mais desfavorecidos foi de 22 por cento.

Esta perda de poder aquisitivo do salário é parte importante das origens da crise actual, porque teve de ser compensada com endividamento privado para manter níveis artificiais de procura efectiva. Toda uma geração não teve outro remédio senão endividar-se para manter seus níveis de consumo. As bolhas que atenuaram os efeitos negativos dos ciclos de negócios são apenas um aspecto deste endividamento.

O capitalismo estado-unidense reagiu contra o movimento sindical e a classe trabalhadora porque a queda na rentabilidade a partir dos anos 70 obrigou a limitar as remunerações ao trabalho. Deste modo, o sonho americano foi sacrificado no altar do capital. Há muitos dados que permitem documentar o que foi dito, mas tudo isto conduz a outra pergunta: por que caíram os níveis de rentabilidade? Os níveis de capacidade instalada nesta etapa da acumulação do capital sem dúvida estão relacionados com esta evolução da rentabilidade. Mas isto não é suficiente e este tipo de análise só desloca o problema para leva a uma última interrogação: carregará o capitalismo nas suas entranhas a semente da sua própria destruição? A agenda política que decorre desta reflexão obriga a colocar o problema das alternativas ao capitalismo, tema injustificadamente relegado a um rincão obscuro desde há 20 anos.


08/Outubro/2008

O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2008/10/08/index.php?section=opinion&article=030a1eco

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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