segunda-feira, 16 de junho de 2008

Escassez Na Era Da Abundância

Os pobres, e mesmo as classes médias, assistem ao encolher dos seus rendimentos, à medida que a economia global entra em desaceleração.

Por todo o mundo, crescem os protestos contra a subida dos preços dos bens alimentares e dos combustíveis derivados do petróleo. Os pobres – e mesmo as classes médias – assistem ao encolher dos seus rendimentos, à medida que a economia global entra em desaceleração. Os políticos querem dar resposta às preocupações legítimas do seu eleitorado, mas não sabem o que fazer.

Nos Estados Unidos da América, tanto Hillary Clinton como John McCain escolheram a saída fácil, fazendo campanha pela suspensão do imposto sobre a gasolina, pelo menos durante o Verão. Só Barack Obama se manteve firme e rejeitou essa proposta, que iria apenas aumentar a procura de gasolina e, com isso, compensar o efeito da medida fiscal.

Mas se Hillary Clinton e McCain estão errados, o que se deve fazer? Não se pode simplesmente ignorar os pedidos dos que estão a sofrer. Nos EUA, os rendimentos reais da classe média ainda não regressaram aos níveis anteriores aos da última recessão, em 1991.

Quando George Bush foi eleito, afirmou que baixar os impostos dos ricos iria curar todas as feridas da economia. Os benefícios do crescimento decorrente da redução dos impostos iriam recair sobre todos – políticas que se tornaram moda na Europa e noutras zonas do mundo, mas que fracassaram. Previa-se que a redução dos impostos estimulasse a poupança, mas a poupança dos agregados familiares nos EUA caiu a pique, até chegar a zero. Previa-se que estimulasse o emprego, mas este encontra-se a níveis inferiores aos da década de 1990. O pouco crescimento que houve só veio beneficiar uns quantos, no topo da escala económica.

A produtividade cresceu durante algum tempo, mas sem que isso se devesse às inovações financeiras de Wall Street: os produtos financeiros que foram criados não faziam a gestão do risco; aumentavam-no. Eram tão pouco transparentes e tão complexos que nem a Wall Street nem os organismos de classificação de risco os conseguiam avaliar adequadamente. Entretanto, o sector financeiro foi incapaz de criar produtos que ajudassem o cidadão comum a gerir os riscos que enfrentava, incluindo os associados à propriedade imobiliária. Milhões de norte-americanos irão provavelmente perder as suas casas e, com elas, as poupanças de toda uma vida.

É a tecnologia, simbolizada por Silicon Valley, que está na base do êxito dos EUA. A ironia está em que os cientistas, autores dos avanços que resultam em crescimento económico baseado na tecnologia, e as empresas de capital que financiam os projectos não foram os que mais ganharam no auge da bolha da especulação imobiliária. Este tipo de investimentos reais é ofuscado pelos jogos que seduzem a maioria dos actores dos mercados financeiros.

O mundo precisa de repensar as fontes de crescimento económico. Estando o crescimento económico alicerçado nos avanços científicos e tecnológicos e não na especulação imobiliária ou nos mercados financeiros, os sistemas tributários têm de ser reajustados. Por que razão os que obtêm os seus rendimentos jogando nos “casinos” de Wall Street têm taxas de imposto mais baixas do que os que ganham dinheiro de outras maneiras? A tributação dos lucros do capital deve ser, pelo menos, igual à que incide sobre os outros tipos de rendimentos (esses rendimentos têm, em qualquer caso, um benefício substancial porque o imposto só é cobrado depois de realizado o lucro.) Além disso, deveria existir um imposto excepcional sobre os lucros das empresas petrolíferas e de gás.

Devido ao enorme aumento das desigualdades na maioria dos países, seria de tributar mais aqueles a quem a vida corre bem, para ajudar os que sofreram com a globalização e com as mudanças tecnológicas, uma medida que poderia também aliviar a pressão decorrente da subida dos bens alimentares e da energia. Países como os EUA, com os seus programas de subsídios, precisam claramente de aumentar os montantes dos subsídios para garantirem que os padrões nutricionais não se deteriorem. Os países que não têm esses programas deveriam pensar em criá-los.

Dois factores estão na origem da crise actual: a guerra no Iraque contribuiu para a subida vertiginosa dos preços do petróleo, inclusivamente pelo aumento da instabilidade no Médio Oriente, a região fornecedora de petróleo a baixo preço, enquanto que o aparecimento dos biocombustíveis se traduziu numa maior integração dos mercados agroalimentar e energético. Embora a ênfase nas fontes de energia renovável seja bem-vindo, as políticas que distorcem o fornecimento de produtos alimentares não o são. Os subsídios dos EUA ao etanol derivado do milho contribuem mais para a bolsa dos produtores do que para a diminuição dos efeitos do aquecimento global. Os enormes subsídios dos EUA e da União Europeia enfraqueceram a agricultura dos países em desenvolvimento. Estes não têm recebido suficiente apoio internacional dirigido ao melhoramento da produtividade agrícola. O apoio ao desenvolvimento da agricultura baixou de um máximo de 17% da ajuda total para uns meros 3%, sendo que alguns dos contribuintes internacionais exigem a eliminação dos subsídios para fertilizantes, tornando ainda mais difícil a concorrência para os agricultores com problemas de liquidez.

Os países ricos têm de reduzir, senão mesmo eliminar, as políticas que distorcem a economia agrícola e energética e devem ajudar os habitantes dos países mais pobres a melhorarem a sua capacidade de produção de bens alimentares. Mas isso seria apenas o começo: tratámos os nossos recursos mais preciosos – água potável e ar limpo – como se fossem gratuitos. Só novos padrões de consumo e de produção – um novo modelo económico – podem dar resposta ao problema fundamental da escassez de recursos.
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Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia em 2001
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1135285.html

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