segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Lição do Zimbabwe

Mário Crespo

Um dos primeiros actos do Governo eleito de Robert Mugabe, em 1980, foi chamar a Salisburia (a capital só mudou de nome dois anos depois) delegações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para estruturar uma economia viável para o país.

Apesar do desgaste causado por década e meia de guerra de libertação, o Zimbabwe tinha chegado à independência mantendo a posição de maior produtor africano de milho. Atestando o reconhecimento da importância da estabilidade da actividade agrícola no primeiro Governo de Mugabe, a pasta da agricultura e planeamento foi entregue a um agricultor branco.

O FMI recomendou que a prática centenária, que vinha desde a administração colonial de Cecil Rhodes, de reter como reserva estratégica um ano de produção de cereais, fosse descontinuada. Nesse ano de independência, o excesso de produção tinha sido historicamente alto. Para os reguladores do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional o que havia a fazer era vender a reserva estratégica de cereais, já que o preço do milho, em 1980, estava em alta histórica. O dinheiro obtido deveria ser usado para reduzir o défice. Adicionalmente, os peritos de Washington insistiram com o novo Governo que nos planos para futuras campanhas agrícolas mais terreno fosse dedicado à cultura do tabaco e menos ao milho, uma vez que os excessos de produção de cereais eram desnecessários e o FMI previa que as cotações do tabaco subissem. E assim foi feito. Com as contas equilibradas, algo nunca visto na África subequatorial, sem milho de reserva, com um plano governamental de subsídios para a conversão de milho em tabaco e com o aplauso dos conselheiros de Washington, o Zimbabwe inaugurou a sua vida de país independente. Mas o FMI estava errado. O preço do tabaco não subiu e 1980 inaugurou um ciclo de seca na África Austral que iria durar mais de uma década. De exportador de milho, o Zimbabwe passou a ter que o importar para satisfazer o consumo interno. O milho híbrido dos Estados Unidos ganhou mais um cliente em África e o Zimbabwe entrou para o rol dos países africanos onde a fome e a instabilidade política são crónicas.

De uma situação de quase pleno emprego, o Zimbabwe passou a ter hordas de descontentes a pressionar os comités políticos para que lhes dessem um benefício palpável da independência. O poder político optou por uma reforma agrária impiedosa, que acabou por destruir o que restava do sector agrícola nacional que está hoje reduzido à indigência. Para aplacar a poderosa ala militar da Zanu, ela também a manifestar perigoso descontentamento, Mugabe apostou no saque à mão armada do Congo, numa confusa aliança militar paga em diamantes e petrodólares, dinamizada por José Eduardo dos Santos a coberto de um suposto apoio ao Governo de Kabila. A situação mantém-se há uma década com total cumplicidade da União Europeia. O drama que hoje se desenrola no Zimbabwe é consequência de tudo isto e a saída de Mugabe da cena vai ser apenas uma parte da solução. O resto está numa alteração profunda de paradigmas de desenvolvimento que aceitem que o bem-estar nem sempre é uma função meramente contabilística de défices orçamentais e balanças de pagamentos. E esse não é um problema exclusivo do Zimbabwe.

http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=M%E1rio%20Crespo

domingo, 29 de junho de 2008

Painéis Solares

Painéis solares que funcionam à noite e com chuva


ILÍDIA PINTO
Ecologia. Empresa da Póvoa de Varzim fabrica painéis únicos no mundo. Funcionam em todas as condições atmosféricas e concedem à Energie uma quota de 60% do mercado nacional
Sistema já chegou ao Convento das Carmelitas de Fátima
Ser tão intensamente requisitado por meios tão distintos como a muito conceituada revista norte-americana de economia, finanças e negócios Forbes, ou a TV Globo, a quarta maior emissora do mundo, vista diariamente por 80 milhões de pessoas, não lhe muda a forma de estar. Luís Rocha, presidente da Energie, recebe os jornalistas de sorriso aberto. Esta é a única empresa no mundo que fabrica painéis solares termodinâmicos que funcionam nos dias de chuva e, até, à noite.

Fundada em 1986, a empresa é detentora exclusiva da patente e fabricante dos sistemas solares termodinâmicos. Uma patente que lhe vale já hoje uma quota de 60% do mercado nacional e a entrada nos mercados europeus a uma velocidade de algum modo surpreendente, que não estava nas estratégias da empresa. O resultado é que, a exemplo dos media, também ao nível das encomendas as solicitações são mais que muitas.

A diferença dos painéis termodinâmicos face aos tradicionais reside no facto de a água que circula nos painéis tradicionais ter sido substituída por um líquido ecológico frigorigéneo (é designado por Klea ou pelo nome científico de R134a e corresponde ao mesmo usado nos frigoríficos ou aparelhos de ar condicionado), que assegura o processo baseado no princípio do físico francês Nicolas Carnot, que descobriu a termodinâmica em 1840. É assim que os painéis solares termodinâmicos captam o calor do Sol, da chuva e do vento, 24 horas por dia. Os painéis tradicionais dependiam da existência de luz e sol, o que no Inverno é limitado.

"A grande vantagem ambiental da utilização dos nossos painéis está na emissão de dióxido de carbono. Eles não produzem efeitos nocivos para a natureza. Um sistema de 300 litros de águas quentes sanitárias para uma família reduz a emissão de CO2 em 2,6 toneladas ao ano face às outras energias", sublinha Luís Rocha. E lembra que há, ainda, as vantagens acrescidas da redução do consumo energético global e a consequente diminuição da factura energética do agregado. "A sociedade tem de evoluir para a utilização racional da energia. A energia mais renovável é a que não consumimos e as pessoas têm de se mentalizar disso", refere.

Há muitas formas de poupança, reconhece o empresário. E, por isso, a própria indústria "está a responder paulatinamente a essa necessidade de redução dos consumos", apostando na melhoria das perfomances dos equipamentos. "O futuro passa por aí", sustenta.

Para uma família de seis elementos, é possível obter um sistema Energie por dois mil euros, diz Luís Rocha. "Pode ir um pouco acima, aos três mil, 3500 euros, se utilizarmos termoacumuladores de aço inoxidável, com durabilidades que podem ir aos 20 ou 30 anos", acrescenta. Espanha, França, Irlanda, Grã-Bretanha e Bélgica são os mercados onde os painéis Energie já são vendidos. A exportação arrancou há apenas dois anos mas representa já 40% da facturação.

O Empreendimento Ponte da Pedra, em São Mamede de Infesta, Matosinhos, foi distinguido com o prémio de Eficiência Energética 2007, atribuído pela Direcção-Geral de Energia e dos Transportes da Comissão Europeia, graças aos 132 painéis Energie. Tornou-se o primeiro empreendimento cooperativo de construção sustentável em Portugal. Mas os sistemas da empresa estão já em funcionamento em complexos hoteleiros, shoppings, restaurantes, escolas, etc. O mais emblemático foram os 70 painéis colocados no Convento das Carmelitas, em Fátima. |

http://dn.sapo.pt/2008/06/29/sociedade/paineis_solares_funcionam_a_noite_e_.html

Inovações "made in India"

Miguel Pina e Cunha
------------------------------------------------------------------------------
Uma das diferenças mais salientes entre os processos de desenvolvimento em curso na China e na Índia diz respeito ao papel da inovação e do conhecimento. Se a China tem vivido da vantagem de custo, apesar da recente tentativa de subida na cadeia de valor, na Índia a mudança tem uma base de conhecimento que interessa considerar.


A sofisticação desse conhecimento, cada vez mais notória, tem-se revelado num conjunto de inovações de gestão que vão surpreendendo o mundo. Neste texto, são destacadas duas ideias aparentemente simples mas dotadas de um considerável impacto potencial: o carro "low cost" e a exploração da base da pirâmide.

Uma das mais conhecidas inovações "made in India" é o já famoso Nano, o carro "low cost", anunciado em Janeiro deste ano pelo gigante Tata Motors. A reacção a este movimento foi vigorosa. Os ambientalistas entraram em pânico, com a perspectiva da chegada às estradas de mais umas centenas de milhares de automóveis. Como se não bastassem os Nano, perspectiva-se também a entrada em cena de um modelo equivalente produzido pela parceria Renault/Nissan/Bajaj. O crescimento previsto nas vendas de utilitários de passageiros na Índia é de 13%. De algum modo, o Nano representa uma nova versão, oriental, do velho sonho de Henry Ford, o de proporcionar um carro a cada família. Ao pensar um automóvel à medida de muitos consumidores do subcontinente, a Tata mostra como continuam a existir ovos de Colombo por desencantar no mundo do negócio.

O processo de exploração que conduziu ao desenvolvimento do Nano não é muito diferente de outra noção que vai adquirindo popularidade: a base da pirâmide. A base da pirâmide refere-se à ideia de que as empresas devem competir para satisfazer as necessidades dos consumidores pobres. Vários acontecimentos contribuíram para a atenção que o tema tem merecido no passado recente, mas dois foram particularmente salientes:

l A publicação, em 2005, do livro de C.K. Prahalad, Fortune at the Bottom of the Pyramid. Prahalad, um importante investigador da Universidade de Michigan e co-autor do célebre Competing for the Future, apresenta as populações pobres como um mercado potencialmente interessante desde que abordado da forma correcta. As empresas mais atentas a este mercado começaram de resto a explorá-lo, por vezes em parceria com ONG com forte conhecimento das especificidades locais. A reinvenção de produtos, mercados e negócios, é uma possibilidade assumida pela ideia de que é possível melhorar a condição humana com a economia de mercado.

l A popularidade granjeada a Muhamad Yunnus pela atribuição do prémio Nobel da Paz. O caso de Yunnus e do seu Grameen Bank, é bem conhecido, pelo que basta recordar o seu papel no desenvolvimento do microcrédito e a sua atitude anti-caridade.

Mas quem está afinal na "base da pirâmide"? De acordo com o relatório Os Próximos Quatro Mil Milhões, da IFC (Corporação Financeira Mundial) e do Instituto dos Recursos Mundiais, publicado em Março de 2007, trata-se de 4.000.000.000 de pessoas que vivem com um, dois ou três dólares por dia. Representam 60% da população mundial. 5.000.000.000.000 de dólares é o valor do poder de compra agregado destas populações pobres. Os desafios para as empresas são diversos, desde a oferta de produtos de qualidade a baixo preço, à construção de infra-estruturas capazes de sustentar o crescimento e o desenvolvimento humano. A exploração da base da pirâmide comporta um enorme potencial de destruição criativa. Inovações simples podem produzir resultados comerciais muito significativos. Escusado será dizer que estas ideias estão já a ser exportadas da Índia para outros países com consumidores pobres, cuja qualidade de vida pode ser melhorada com a descoberta de pequenas inovações capazes de produzir grandes efeitos e de pôr a poderosa força de resolução de problemas que é a economia de mercado ao serviço do combate à pobreza.

http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS_OPINION&id=321774

terça-feira, 24 de junho de 2008

Ridicula Europa

Sílvia de Oliveira
Numa entrevista que deu este fim-de-semana ao jornal francês “Journal du Dimanche”, Jacques Delors enfiou o dedo na ferida.

O antigo presidente da Comissão Europeia defendeu a criação urgente na Europa de um mercado comum de energia e uma atitude concertada em relação aos grandes países produtores. Na sua opinião, a escolha é simples - “a sobrevivência pela união ou o declínio e a perda total da capacidade de influência”. A máxima da união aplica-se a quase tudo, mas na actual conjuntura, é à política de energia que serve que nem uma luva. As palavras ácidas de Jacques Delors são, por isso, de uma assertividade única: “Quando vejo este carrossel de países em torno de Putin e Medvedev, fico indignado. A Europa torna-se ridícula”.

O mundo está mergulhado num choque petrolífero que nos faz olhar para as anteriores crises como inocentes brincadeiras de crianças; e assiste-se a uma revolução do mapa geo-estratégico internacional, motivado também pela meteórica ascensão de novas potências económicas, como é o caso da Rússia. Isto, a juntar ao fim anunciado do reinado do petróleo como fonte de energia - será só uma questão de tempo -, sobra para dar uma nova e preocupante dimensão à enorme dependência energética da Europa e dos Estados Unidos.

É então caso para perguntar, parafraseando Jacques Delors, se não estará já a Europa a ser completamente ridícula ao embrenhar-se na discussão de uma constituição europeia, quando nem sequer se consegue entender sobre uma política sectorial? Não deveria a Europa, como sugere o antigo presidente da Comissão Europeia, voltar a estudar o velho Tratado de Paris, que deu origem à CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), ao mesmo tempo que consome energia no Tratado de Lisboa, vítima de vários ataques, o último dos quais liderado pela Irlanda? Deveria, só que a energia não é um negócio qualquer, é um sector estratégico, no seu significado mais lato, sendo aqui também a questão da perda de soberania o que verdadeiramente está em causa. Não é, aliás, por acaso que a França de Jacques Delors se empenha em engordar a sua Electricité de France (EDF), um colosso europeu com um apetite desmedido, considerando as sucessivas tentativas de compras, as mais recentes em Espanha ou Inglaterra. E isso o antigo presidente da Comissão Europeia não disse. Também não é coincidência que a Alemanha tenha alimentado exactamente a mesma política em relação à E.ON e à RWE. Pois é. Afinal, os dois países que em 1951 aceitaram integrar os respectivos mercados do aço e do carvão, transferindo direitos de soberania dos seus Estados para uma instituição europeia, estão agora, passados tantos anos, de costas voltadas. Qualquer projecto de união na energia fica-se pelas palavras bonitas. Há mais de 50 anos, o objectivo da criação da CECA era o de evitar uma nova Guerra Mundial. Hoje, o medo parece esgotar-se num apagão caso a Rússia decida voltar a fechar os seus ‘pipelines’. Ridícula Europa, é muito mais do que isso. Declínio, disse Delors.
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/editorial/pt/desarrollo/1138370.html

Comentários

vg
Ridículo é o sr Delors, que nunca conseguiu meter os dois maiores produtores europeus (Noruega e UK) na partilha europeia.E os egoísmos nacionais ,que nem conseguem pôr o já "decidido" Mibel em funcionamento,nem o cruzamento de participações accionistas ao longo da Europa.Este homens ,quando estão a cair da tripeça, sabem tudo.Tambem temos cá um...Que tem isto a ver com o Tratado de Lisboa?...

NapoLeão
E alguma vez o nosso mui ilustre Barroso aceitará um conselho de Delors ?É mais fácil o Benfica ser campeão europeus, 5 anos seguidos, do que a Europa parar para pensar !!!

SAMOT
Não há dúvida: os políticos devem saber distinguir o que é prioritário do que não é prioritário,neste caso a nível da UE.Pode haver Tratado de Lisboa, pode, mas se a UE não for capaz de resolver a «crise» energética o Tratado de Lisboa de nada lhe valerá. É isto não é? É.

jcabrita
Tem toda a razão mestre Delors. Enquanto cada pais olhar única e exclusivamente para o seu umbigo sem pensar nos outros a equipe nunca vai funcionar, e há quem esfregue as mãos de contente com isso.

jose pires
Até que enfim ,que um dos "iluminados" da Europa acordou, e já coméça a dizer "...que o Rei vai nú...",e se a Europa continuar por este caminho,ela com certeza auto anula-se,pois quando os Estados Europeus viram as costas á vontade das populações,estão a destruir a base do fundamento da U.E. ,a igualdade entre os povos ,e se isso não é respeitado,o destino da U.E. é a dissolução ,disse...

Jose
Parabéns. Excelente artigo. E o MIBEL que era uma prioridade de Barroso, Sócrates e tutti quanti?

Bailarina
Este Delors é mais um "guru" que ficou para a história como tal num período de "vacas gordas"...

Tanto mar
Em vêz do TGV apressado mas vazio, o investimento público e privado não deveria ser ainda mais rápido e cada vez mais alinhado pela velocidade da luz das energias verdes e azuis e mesmo um pouco mais alaranjadas como a nuclear? Talvez assim ainda pudessem restar algumas lampadas acesas às próximas gerações que por este andar poderão têr de usar lamparinas com cêra de abelhas ou de cebo de vacas.

Juca
O egoismo ente Alemaes e Ingleses causou duas grandes guerras mundiais.O egoismo dos paises da UE e em especial os da Gra Bretanha,Franca e Alemanha esta a travar o avanco da Europa.E grandes ameacas estao a surgir no mundo:China,India e Russia.Tenho serias duvidas de que os Europeus serao capazes de ultrapassar as grandes dificuldades.Sem os EUA a Europa hoje seria um imperio nazi ou comunista.

Mrrm
Durante o consulado de Delors (3 Comissões), na II comissão, foi assinada a Carta da Energia e o Comissário com a pasta era Cardoso e Cunha. Fizeram o que fizeram, num tempo em que as prioridades eram a preparação da U. Monetária e o alargamento a Leste. As propostas que se ouvem no seio da UE sobre energia vão desde o patético (sobre-imposto sobre o lucro das petrolíferas, excelente para aumentar mais o preço) até às parvoíces pegadas de Sarkozy, distraído com assuntos, convenhamos, bem mais apelativos. Quem lidera o processo, mas a partir duma base política frágil (não foi eleito) é Gordon Brown e, até ver, o Congresso (Senado e Cam. dos representantes) dos EUA, já que o problema é mundial. Agora a jornalista escrever que as anteriores crises da Europa foram brincadeiras de crianças...bem, ainda ontem vi o que sofreram os páras da 101º ao tentarem libertar a Holanda dos nazis. De certeza que os veteranos que lembram os seus mortos e os do inimigo têm uma opinião diferente. Só ali naquela batalha (operação Market Garden) combateram e morreram ingleses, americanos, alemães, holandeses e polacos. Não brinque é a senhora com o sangue de quem os libertou. O tema é bem escolhido e bastante quente, mas dispensa este género de infantilidades de muito mau gosto. MMartins-Sintra

Harf
O negocio da energia é muito mais que estratégico,é crucial.Com os tristes políticos que nos governam Putin,astuciosamente, vai fazer da Europa aquilo que a ameaça militar soviética nunca pôde.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Natureza

Alguém se lembra do pânico que se gerou em Portugal quando um ministro admitiu que a água podia vir a ser racionada no Algarve caso não chovesse com abundância no Inverno de 2004/2005? Afinal choveu e o governo do ministro até foi levado na enxurrada.

Mas será que ficou resolvido o problema da água no Algarve? Volto ao assunto, um dia depois, porque uma notícia do “Público” lhe confere a maior actualidade. Embora, para actualidade da questão bastasse, por exemplo, o tema da Expo de Saragoça, a água, num país, a Espanha, que está a ser tragado pela desertificação.

A notícia do “Público” revelava que 22 dos 23 campos de golfe do Algarve são regados com água potável e apenas um com águas residuais tratadas. Só neste país – e talvez, vá lá, em mais uma ou outra república de bananas – se esbanja desta maneira um bem tão precioso em benefício dos interesses de uma minoria. Aliás, só neste país é que existe, num espaço tão reduzido como o Algarve, uma concentração tão desmesurada de campos de golfe, um tipo de investimento turístico predador do bem inestimável que é a água. E no futuro será pior. Aos 23 campos já existentes vão somar-se mais outros 20 já projectados e aos quais nenhum estudo de impacte ambiental levantará problemas. E assim o Algarve se vai transformando num aglomerado de condomínios de betão, que significam o progresso, e campos de golfe, que representam a natureza.

Os governos passam e os problemas ficam e agravam-se. Há um plano de “medidas prioritárias” para o uso da água em estudo há sete anos. Os governos podem silenciar os buzinões, com medidas repressivas ou com manipulação da informação. Mas quando os recursos da natureza se revoltarem não haverá nada a fazer.

jpguerra@economicasgps.com

http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1136610.html

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Desertificação

Alterações climáticas. Aumento da temperatura nas próximas décadas vai diminuir a disponibilidade de recursos hídricos e ajudar à degradação dos solos, promovendo o avanço da desertificação em Portugal. A floresta de sobreiro pode ter papel-chave para travar o fenómeno

WWF lança alerta contra má gestão florestal

Face às alterações climáticas, que vão agravar-se nas próximas décadas com impactos importantes em Portugal, os montados e florestas de sobreiro terão um papel-chave no combate à desertificação anunciada. Mas para que isso seja possível é necessária uma gestão adequada desta floresta e também a promoção activa da sua progressão para Norte, no território continental do País, "movimento" que o aquecimento da temperatura global vai favorecer nas próximas décadas.

Esta é uma das principais conclusões de um estudo realizado em conjunto pela organização internacional WWF (Fundo Mundial da Vida Selvagem) e pelo centro de investigação em Ecologia Aplicada Professor Baeta Neves (CEABN), do Instituto Superior de Agronomia, e que ontem foi apresentado em Lisboa.

Se as medidas de gestão necessárias não forem tomadas, avisa o WWF, a partir de 2020 a desertificação avançará em Portugal a uma taxa superior a mil metros ao ano. E estas florestas, que são a base de um importante sector económico para o País, entrarão por seu turno em regressão mais acelerada.

A gestão adequada sublinhada pela organização ambientalista passa pela "certificação da qualidade destas florestas, pela criação de programas de protecção integrada contra pragas e infestações e também pela definição de mecanismos de mercado que permitam equiparar estas florestas às restantes no mercado do carbono", explicou ao DN Luís Silva, o coordenador do programa florestal do WWF em Portugal.

Este último mecanismo, que é em parte uma novidade em termos da valorização económica deste tipo de floresta, "é importante para tornar a sua plantação interessante do ponto de vista económico para os seus proprietários", sublinha Luís Silva.

Em relação à certificação da floresta, note-se que actualmente apenas 6% do montado em Portugal é certificado. Elevá-la "para níveis mais significativos" é o o apelo da organização ambientalista.

Sem o conjunto daquelas três práticas articuladas, a regressão desta floresta torna-se inevitável em Portugal. E o WWF até tem essas perdas prováveis contabilizadas, prevendo que a partir de 2020 a densidade e a área florestal desta espécie continuarão a regredir. "40% dos povoamentos vão ter menos de 40 árvores/ hectare e apenas 15% terão mais de 80 árvores/hectare", diz o WWF. Nesse cenário negativo, a taxa de regressão dos montados será de 1% ao ano.

Impedir essa situação, e ao mesmo tempo utilizar estas florestas no combate à desertificação - esta árvore retém níveis mínimos de humidade no subsolo e impede a sua degradação - é a proposta do WWF.

FILOMENA NAVES

http://dn.sapo.pt/2008/06/18/ciencia/montados_podem_travar_desertificacao.html

Deserto

Portugal, um dos três países mais desertificados da Europa, ficou ontem a saber que daqui até 2020 a desertificação pode avançar à razão de mais de 1 km por ano.

Tal como pode ser sustida. Tudo depende de uma gestão adequada dos bosques de sobreiro, cuja importância é considerada fundamental, por organizações globais de defesa da natureza, no combate ao avanço da desertificação. A notícia, porém, segue-se a uma outra dando conta do abate de milhares de sobreiros para abrir caminho à monocultura do olival nas novas ‘fincas’ do sul do Alentejo. Notícias anteriores deram conta do abate de muitos mais sobreiros, neste caso para darem lugar a megaprojectos turísticos, geralmente promovidos pela disponibilidade de campos de golfe, sorvedouros insaciáveis de água.

Também o Algarve anunciou o seu programa de combate à desertificação, ao mesmo tempo que todos os dias são projectados e dia-sim, dia-não são aprovados novos mega-empreendimentos turísticos na região. Claro que tanto os empreendedores como os decisores sabem que basta o elevadíssimo consumo de água dos empreendimentos do turismo massificado e betonado para assegurar o avanço da desertificação. Sendo Portugal um quintal dos interesses, como é que alguém pode pretender travar o caminho inexorável do país para a desertificação? Só por ingenuidade ou por demagogia.

Uma terceira e decisiva mistificação reside em propalar o combate à desertificação e, em simultâneo, promover o despovoamento de vastas regiões do país, a liquidação das actividades locais, a falta de incentivos à fixação de população jovem, o fecho de escolas e de hospitais. As políticas das últimas décadas são o maior adubo da desertificação. E o resto é paisagem.

jpguerra@economicasgps.com

http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1136156.html

terça-feira, 17 de junho de 2008

Referendo

A Europa, berço da democracia, transformou-se no enxergão da hipocrisia.

De acordo com esta alteração de leitos, que culmina muitos séculos de civilização, a democracia só é aceitável quando uma maioria concorda. Discordando, insiste-se quantas vezes foram necessárias até a maioria mudar de opinião. Ou então, simplesmente, a minoria concordante mas governante deita a opinião discordante da maioria para o lixo. Há ainda a modalidade portuguesa: mete-se a promessa da democracia na mesma gaveta onde jazem tralhas como o socialismo.

Os irlandeses chumbaram pela segunda vez um tratado europeu. Desta vez foi o Tratado “porreiro, pá” de Lisboa. No comum das democracias europeias já se aboliu a prática do referendo para questões complexas da governação em relação às quais o povinho não é entendido nem achado. Mas na Irlanda, por um imperativo constitucional – e só por isso – o povo é chamado a pronunciar-se em referendo sobre tratados internacionais. Com péssimos resultados para a democracia de pechisbeque que se cultiva nas instâncias europeias e em cada estado europeu. Fica agora ás escancaras porque razão o Governo português pura e simplesmente rasgou a promessa de submeter o Tratado a referendo.

Agora movem-se já as forças da Europa no sentido de promover novos referendos na Irlanda, tantos até que o povo, cansado, deixe de votar ou vote “sim” porque dizer que sim não faz doer a cabeça. Daqui a uns séculos, os historiadores vão designar com precisão os tempos que vivemos. Talvez qualquer coisa como pós-democracia. Mas nem ficarão para a História os nomes dos trapalhões que substituíram a democracia por esta coisa de plástico que substituiu o voto pelo poder oculto dos burocratas.

jpguerra@economicasgps.com
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1135665.html

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Trabalhar Até Cair

À tarde, ao chegar a casa, depois de mais uma jornada, o discurso dominante é o de que as empresas devem empenhar-se na necessidade de conciliar a vida laboral com a vida privada; que os países mais produtivos não são aqueles em que se trabalham mais horas; que as empresas modernas se preocupam com o bem-estar dos seus empregados.

De manhã, quando o mesmo trabalhador europeu se prepara para mais uma jornada, o discurso é diferente: vai ser preciso trabalhar mais horas para que as empresas sejam mais competitivas. Ou seja, se não podes vencer as empresas asiáticas, que fazem tábua rasa dos direitos dos trabalhadores, quando não os escravizam, junta-te a elas. A apresentação deste dilema não é original. Lia-a parcialmente no "El País", enquanto gozava de uns momentos de ócio na cálida costa do Sul de Espanha. E foi o direito ao ócio, afinal, que, por estes dias, uma maioria de países da União Europeia decidiu revogar. O limite de 48 horas semanais corre o risco de passar à história. A civilização cede à barbárie e aponta-se agora para as 65 horas. Tempera-se a proposta com o velho engodo da livre escolha ["free-choice" em inglês, como a designam os britânicos que avançaram com a proposta], argumentando que só será assim se o trabalhador quiser. Como se o operário de construção civil que assenta tijolo tivesse algum poder negocial face ao patrão. Ou que os empregados de uma Lear qualquer possam recusar trabalhar mais umas horas pelo mesmo salário, quando a alternativa for entre estar mais algum tempo com os filhos ou manter o emprego. A proposta de directiva foi aprovada no Conselho Europeu de Ministros do Trabalho e dos Assuntos Sociais, mas ainda não é letra de lei. Terá de passar, primeiro, pelo crivo do Parlamento Europeu. E depois por uma decisão de cada um dos países. Em Espanha, pelo que li, Zapatero já prometeu que não aceitará "dinamitar" o Direito do Trabalho. Calculo que em Portugal a posição seja semelhante. O problema é que, uma vez aprovada e posta em prática, será apenas uma questão de tempo até que se generalize. E chegará a altura em que nenhum Governo quererá perder o campeonato da captação de investimento devido a minudências, já não digo como a do direito ao ócio, mas pelo menos a do direito a um pouco de descanso. Por estes dias, a discussão sobre o futuro da Europa foi sobretudo feita a propósito do "não" dos irlandeses ao moribundo Tratado de Lisboa. E as notícias e comentários de meios de comunicação de todo o continente reflectiram essa obsessão. Não nego que seja matéria relevante, mas pergunto-me se não seria mais importante discutir que modelo de civilização querem os europeus. Já agora, alguém imagina qual seria o resultado de um referendo em que se colocasse a questão do alargamento do horário de trabalho até às 65 horas? Pois, provavelmente não é uma boa ideia…

Rafael Barbosa
http://jn.sapo.pt/opiniao/

O Mundo Lá De Cima, E O Mundo Cá De Baixo

Baptista Bastos
b.bastos@netcabo.pt


O dispositivo de patrioteirismo colocado, com extrema eficiência, por todo o País, sob a benevolente aquiescência de uma Televisão desacreditada, de uma Rádio às aranhas e de uma Imprensa que se perdeu na pobreza moral, está a conduzir, muitos de nós, a um estado próximo da imbecilização.

A instrumentalização do "desporto" por parte do poder político é um fenómeno de que a Antiguidade foi fértil. No contemporâneo, a dimensão adquirida constitui uma obscenidade. Muitas contendas ditas desportivas (no caso vertente: futebolísticas) não passam de esquemas políticos.

À Esquerda e à Direita o recurso a esse enclausuramento mental tolhe qualquer iniciativa antagónica. Porém, a circunstância de, momentaneamente, as vozes críticas serem minoritárias, não significa que elas se calem. Alguns preopinantes pós-modernos acusam de anacronismo aqueles que ainda protestam contra estes mercadores de ilusões, que transformaram (graças a uma campanha impressionante) o Euro-2008 numa questão nacional - ou nacionalista.

E quando Marcelo Rebelo de Sousa admite que o País deve mais a Cristiano Ronaldo do que a qualquer outro, o dito é escandaloso. Primeiro, porque só raramente, no estrangeiro, se associa o nome de Cristiano a Portugal; ligam-no mais, claro está!, ao Manchester. Depois porque a vacuidade da afirmação não está à altura do professor; ou estará? Então e Pessoa, e Vieira da Silva, e Damásio, e Paula Rego, e Manoel de Oliveira, e Júlio Pomar, e Saramago, e Siza Vieira - mais, muitos mais outros? A paranóia colectiva assombra, pela expressão numérica da mediocridade. Rui Santos, jornalista do futebol, chamou-lhe "alienação" e está com carradas de razão.

O mal-estar na sociedade portuguesa é anestesiado por esta catadupa de falsos valores, de falsos princípios, de falsos heróis, de falsas hipóteses, de falso patriotismo. De quantos brasileiros, apressadamente matriculados portugueses, possui a selecção "nacional"? E que motivou esses ternos guerreiros? O dinheiro, bem entendido, que até os levou a abjurar da própria nacionalidade. Há qualquer coisa de podre, de vil e de sórdido nesta doentia instrumentalização.

Há dias, a "Notícias Magazine" publicou um dramático apelo de D. Manuel Martins, primeiro bispo de Setúbal, e figura maior da Igreja. Escreve: "Sou, sem querer, mais uma voz a juntar-me à de tantos e tantos portugueses que vivem mergulhados num grande desânimo quanto ao presente e num grande medo quanto ao futuro. Estes sentires vão-se manifestando um pouco por tudo quanto é sítio, e será muito desejável que se lhes acuda a tempo (…) Portugal não pode esperar mais: os portugueses precisam de trabalho justamente remunerado, precisam de pão na sua mesa, precisam de ver respeitados os seus direitos enganados de saúde, de justiça, de educação, de segurança."

E o documento prossegue: "Espantam-nos, a sério, os dois mundos que se vão construindo em Portugal: o mundo lá de cima, dos ultra-ricos e dos ultra-remunerados, e o mundo cá de baixo, dos pobres e dos ultra-pobres. Até já os da faixa do meio sentem o terreno a fugir-lhes."

É curioso que esta demarcação de D. Manuel Martins coincida com afirmações de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, o qual, num debate sobre o Código do Trabalho, realizado na Associação Católica do Porto, declarou, ante a irritação do ministro Vieira da Silva: "As organizações sociais, perseguindo o seu bem específico ao serviço do bem comum, são um factor construtivo de ordem social e solidariedade, portanto um elemento indispensável da vida social (…) Sem pressão sindical poderia acontecer que a administração pública se esquecesse do seu papel."

As vozes destes dois homens foram praticamente ofuscadas pelo alarido futebolístico. Como nada acontece por acaso, convém não atribuir ao "acaso" os infortúnios da razão, que levam quem organiza o escalonamento dos noticiários (nos jornais, nas rádios e nas televisões) a inverter a importância dos factos e a dissimular o carácter político-social dos acontecimentos com a frivolidade, essencialmente mutável, do futebol.

José Sócrates, cuja arrogância começa a ser suicida, desprezou a manifestação dos duzentos mil, e cava, cada vez mais fundo, a separação entre os portugueses. Alguém tem de dizer a este homem que já lhe é difícil arrepiar caminho e dar um torção à Esquerda. Cometeu tropelias, injustiças e incompetências demasiado extensas e graves para que se lhe perdoe. Teve tudo na mão para equilibrar as coisas: até uma certa cumplicidade dos órgãos de informação, fatigados das desditas de Guterres, de Durão e de Santana. Não o fez. Segundo o insuspeito Joaquim Aguiar, ele não estava preparado para dirigir o País.

Tem sido acolitado por um grupo de subservientes, pouco ou nada apetrechados ideológica e culturalmente, que em nada o têm ajudado. Há dias, Vítor Ramalho, começou, ele também, a criticar a governação, e o próprio PS, revelando que não há debate nos "núcleos" socialistas. Recordo que, há anos, o PS dizia o mesmo do PCP, e, ainda recentemente, idêntica acusação foi formulada por sociais-democratas ao PSD. Não há debate nos partidos; não há debate na sociedade. O vazio impera.

Creio que Manuela Ferreira Leite apenas fará algumas mossas na carcaça do Governo. Ao contrário do que dizem os seus turiferários, ela não colhe nem as simpatias da totalidade dos "companheiros", nem a empatia dos portugueses. Um guru tem afirmado o contrário e, inclusive, que a senhora "unirá o partido." Todavia, o Santana não é para graças; o Passos é um pequeno falcão à espera; e Patinha Antão pode ter obtido um resultado escasso, mas (para minha surpresa e de muitos) revelou um sábio conhecimento dos dossiês. Além do que Manuela Ferreira Leite representa o que de mais cediço e arcaico existe na sociedade portuguesa. Não vai resolver nada: vai complicar tudo. E o seu apressado discurso "social" não dissimula a actividade praticada no Governo.

Manuela Ferreira Leite é mais do mesmo, igual a todo o mesmo. É uma soneira. José Sócrates, uma canseira. Como diria o Eça: "Meninos, que ferro!"

http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS_OPINION&id=320134

Escassez Na Era Da Abundância

Os pobres, e mesmo as classes médias, assistem ao encolher dos seus rendimentos, à medida que a economia global entra em desaceleração.

Por todo o mundo, crescem os protestos contra a subida dos preços dos bens alimentares e dos combustíveis derivados do petróleo. Os pobres – e mesmo as classes médias – assistem ao encolher dos seus rendimentos, à medida que a economia global entra em desaceleração. Os políticos querem dar resposta às preocupações legítimas do seu eleitorado, mas não sabem o que fazer.

Nos Estados Unidos da América, tanto Hillary Clinton como John McCain escolheram a saída fácil, fazendo campanha pela suspensão do imposto sobre a gasolina, pelo menos durante o Verão. Só Barack Obama se manteve firme e rejeitou essa proposta, que iria apenas aumentar a procura de gasolina e, com isso, compensar o efeito da medida fiscal.

Mas se Hillary Clinton e McCain estão errados, o que se deve fazer? Não se pode simplesmente ignorar os pedidos dos que estão a sofrer. Nos EUA, os rendimentos reais da classe média ainda não regressaram aos níveis anteriores aos da última recessão, em 1991.

Quando George Bush foi eleito, afirmou que baixar os impostos dos ricos iria curar todas as feridas da economia. Os benefícios do crescimento decorrente da redução dos impostos iriam recair sobre todos – políticas que se tornaram moda na Europa e noutras zonas do mundo, mas que fracassaram. Previa-se que a redução dos impostos estimulasse a poupança, mas a poupança dos agregados familiares nos EUA caiu a pique, até chegar a zero. Previa-se que estimulasse o emprego, mas este encontra-se a níveis inferiores aos da década de 1990. O pouco crescimento que houve só veio beneficiar uns quantos, no topo da escala económica.

A produtividade cresceu durante algum tempo, mas sem que isso se devesse às inovações financeiras de Wall Street: os produtos financeiros que foram criados não faziam a gestão do risco; aumentavam-no. Eram tão pouco transparentes e tão complexos que nem a Wall Street nem os organismos de classificação de risco os conseguiam avaliar adequadamente. Entretanto, o sector financeiro foi incapaz de criar produtos que ajudassem o cidadão comum a gerir os riscos que enfrentava, incluindo os associados à propriedade imobiliária. Milhões de norte-americanos irão provavelmente perder as suas casas e, com elas, as poupanças de toda uma vida.

É a tecnologia, simbolizada por Silicon Valley, que está na base do êxito dos EUA. A ironia está em que os cientistas, autores dos avanços que resultam em crescimento económico baseado na tecnologia, e as empresas de capital que financiam os projectos não foram os que mais ganharam no auge da bolha da especulação imobiliária. Este tipo de investimentos reais é ofuscado pelos jogos que seduzem a maioria dos actores dos mercados financeiros.

O mundo precisa de repensar as fontes de crescimento económico. Estando o crescimento económico alicerçado nos avanços científicos e tecnológicos e não na especulação imobiliária ou nos mercados financeiros, os sistemas tributários têm de ser reajustados. Por que razão os que obtêm os seus rendimentos jogando nos “casinos” de Wall Street têm taxas de imposto mais baixas do que os que ganham dinheiro de outras maneiras? A tributação dos lucros do capital deve ser, pelo menos, igual à que incide sobre os outros tipos de rendimentos (esses rendimentos têm, em qualquer caso, um benefício substancial porque o imposto só é cobrado depois de realizado o lucro.) Além disso, deveria existir um imposto excepcional sobre os lucros das empresas petrolíferas e de gás.

Devido ao enorme aumento das desigualdades na maioria dos países, seria de tributar mais aqueles a quem a vida corre bem, para ajudar os que sofreram com a globalização e com as mudanças tecnológicas, uma medida que poderia também aliviar a pressão decorrente da subida dos bens alimentares e da energia. Países como os EUA, com os seus programas de subsídios, precisam claramente de aumentar os montantes dos subsídios para garantirem que os padrões nutricionais não se deteriorem. Os países que não têm esses programas deveriam pensar em criá-los.

Dois factores estão na origem da crise actual: a guerra no Iraque contribuiu para a subida vertiginosa dos preços do petróleo, inclusivamente pelo aumento da instabilidade no Médio Oriente, a região fornecedora de petróleo a baixo preço, enquanto que o aparecimento dos biocombustíveis se traduziu numa maior integração dos mercados agroalimentar e energético. Embora a ênfase nas fontes de energia renovável seja bem-vindo, as políticas que distorcem o fornecimento de produtos alimentares não o são. Os subsídios dos EUA ao etanol derivado do milho contribuem mais para a bolsa dos produtores do que para a diminuição dos efeitos do aquecimento global. Os enormes subsídios dos EUA e da União Europeia enfraqueceram a agricultura dos países em desenvolvimento. Estes não têm recebido suficiente apoio internacional dirigido ao melhoramento da produtividade agrícola. O apoio ao desenvolvimento da agricultura baixou de um máximo de 17% da ajuda total para uns meros 3%, sendo que alguns dos contribuintes internacionais exigem a eliminação dos subsídios para fertilizantes, tornando ainda mais difícil a concorrência para os agricultores com problemas de liquidez.

Os países ricos têm de reduzir, senão mesmo eliminar, as políticas que distorcem a economia agrícola e energética e devem ajudar os habitantes dos países mais pobres a melhorarem a sua capacidade de produção de bens alimentares. Mas isso seria apenas o começo: tratámos os nossos recursos mais preciosos – água potável e ar limpo – como se fossem gratuitos. Só novos padrões de consumo e de produção – um novo modelo económico – podem dar resposta ao problema fundamental da escassez de recursos.
____

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia em 2001
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1135285.html

Neste Pé

Em Portugal a lei tem sempre duas faces. É assim como a moeda. Vejamos.

As alterações à Lei do Jogo aprovadas pelo Governo de coligação liderado por Santana Lopes, no final de 2004, foram feitas para que a Estoril-Sol ficasse com o imóvel do Casino de Lisboa no final da concessão, em 2020, uma situação que a lei anterior não permitia, sendo o Estado gravemente lesado com a mudança da lei. Este é o parecer da Procuradoria-Geral da República, entidade à qual cabe promover a acção penal. Mas que, neste particular, não promove por entender que o caso não é “desconforme” com o Estado de Direito.

O túnel do Terreiro do Paço do Metropolitano de Lisboa demorou 12 anos a construir, custou mais 31 milhões de euros do que os 47 milhões previstos, apesar dos atrasos e da derrapagem a empresa pagou regularmente prémios aos empreiteiros mas Portugal pode vir a ter que devolver milhões do financiamento da obra a Bruxelas. O Tribunal de Contas regista toda esta sucessão de atropelos mas julga que não se registaram “ilegalidades ou irregularidades”. Digamos que também este caso não é “desconforme”.

E é assim, em Portugal. Os casos acontecem mas é como se não acontecessem. E por mais casos que aconteçam as coisas ficam sempre “neste pé”, expressão peculiar do Estado que marca passo e não anda nem desanda. Neste contexto, o anunciado Conselho de Prevenção da Corrupção, uma visão um tanto enviesada do plano de prevenção da corrupção proposto por João Cravinho e rejeitado pelo PS, ameaça tornar-se em mais um elefante branco do imenso jardim zoológico do Estado. Serve para exibir aos visitantes do zoo, eventualmente para tocar a sineta, e pouco ou nada mais. De resto, continuará tudo “neste pé”.

jpguerra@economicasgps.com
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/1135257.html

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Pobreza e Desigualdades

Mário Soares

Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com o Relatório da União Europeia (Eurostat) e o trabalho, coordenado pelo Prof. Alfredo Bruto da Costa, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), intitulado "Um olhar para a pobreza em Portugal", divulgados há dias, que coincidem em alertar para o facto de a "pobreza e as desigualdades sociais se estarem a agravar em Portugal". Surpreendido não fiquei. Mas chocado e entristecido, isso sim, por Portugal aparecer na cauda dos 25 países europeus - a Roménia e a Bulgária ainda não fazem parte da lista - nos índices dos diferentes países, quanto à pobreza e às desigualdades sociais e, sobretudo, quanto à insuficiência das políticas em curso para as combater.

Recentemente, cerca de 20 mil cidadãos portugueses, impulsionados pela Comissão Justiça e Paz, dirigiram à Assembleia da República um apelo aos legisladores para aprovarem uma Lei que considere a pobreza uma violação dos Direitos Humanos. Foi uma manifestação de consciência cívica e de justa preocupação moral - que partilho - quanto à pobreza crescente na sociedade portuguesa. E acrescento: a revolta quanto às escandalosas desigualdades sociais, que igualmente crescem, fazendo de Portugal, trinta e quatro anos depois da generosa Revolução dos Cravos, o país da União Europeia socialmente mais desigual e injusto, ombreando, à sua escala, naturalmente, com a América de Bush... Ora, a pobreza e a riqueza (ostensiva e muitas vezes inexplicável) são o verso e o reverso da mesma moeda e o espelho de uma sociedade a caminho de graves convulsões. Atenção, portanto.

Eu sei que o mal-estar social e as dificuldades relativas ao custo de vida que, hoje, gravemente afectam os pobres, mas também a classe média - e se tornaram, subitamente, muito visíveis, por força da comunicação social - vêm de fora e têm, evidentemente, causas externas. Entre outras: o aumento do preço do petróleo, que acaba de atingir 135 dólares o barril; a queda do dólar, moeda, até agora de referência; o subprime ou crédito malparado, em especial concedido à habitação (a bolha imobiliária); a falência inesperada de grandes bancos internacionais e as escandalosas remunerações que se atribuem os gestores e administradores; o aumento insólito do preço dos géneros alimentares de primeira necessidade (cereais, arroz, carne, peixe, frutas, legumes, leite, ovos, etc.); a desordem geostratégica internacional (com as guerras do Afeganistão, do Iraque e do Líbano, a instabilidade do Paquistão, o eterno conflito israelo-palestiniano e as guerras em África); o desequilíbrio ambiental que, a não ser de imediato corrigido, põe o Planeta em grande risco; a agressiva concorrência dos países emergentes, que antes não contavam; etc...

Tudo isto configura uma situação de crise profundíssima a que a globalização neoliberal conduziu o Mundo, como tantas vezes disse e escrevi. Uma crise financeira, em primeiro lugar, na América, que está a alargar-se à União Europeia, podendo vir a transformar-se, suponho, numa crise global deste "capitalismo do desastre", pior do que a de 1929. Uma crise também de civilização que está a obrigar-nos a mudar de paradigma, tendo em conta os países emergentes, e os seus problemas internos específicos, uma vez que o Ocidente está a deixar de ser o centro do mundo. Não alimentemos ilusões.

Claro que com o mal dos outros - como é costume dizer--se - podemos nós bem. É uma velha frase que hoje deixou, em muitos casos, de fazer sentido. Vivemos num só Mundo em que tudo se repercute e interage sobre tudo.

No entanto, no nosso canto europeu, deveremos fazer tudo o que pudermos, numa estratégia concertada e eficaz, para combater a pobreza - há muito a fazer, se houver vontade política para tanto - e também para reduzir drasticamente as desigualdades sociais. Até porque, como têm estado a demonstrar os países nórdicos - a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia - as políticas sociais sérias estimulam o crescimento, contribuem para aumentar a produção e favorecem novos investimentos. Este é o objectivo geostratégico para o qual deveremos caminhar, se quisermos evitar convulsões e conflitos.

Depois de duas décadas de neoliberalismo, puro e duro - tão do agrado de tantos que se dizem socialistas, como desgraçadamente Blair - uma boa parte da Esquerda dita moderada e europeia parece não ter ainda compreendido que o neoliberalismo está esgotado e prestes a ser enterrado, na própria América, após as próximas eleições presidenciais. A globalização tem de ser, aliás, seriamente regulada, bem como o mercado, que deve passar a respeitar regras éticas, sociais e ambientais.

Em Portugal, permito-me sugerir ao PS - e aos seus responsáveis - que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza; as desigualdades sociais; o descontentamento das classes médias; e as questões prioritárias, com elas relacionadas, como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social, o trabalho. Essas são questões verdadeiramente prioritárias, sobre as quais importa actuar com políticas eficazes, urgentes e bem compreensíveis para as populações. Ainda durante este ano crítico de 2008 e no seguinte, se não quiserem pôr em causa tudo o que fizeram, e bem, indiscutivelmente, para reduzir o deficit das contas públicas e tentar modernizar a sociedade. Urge, igualmente, fortalecer o Estado, para os tempos que aí vêm, e não entregar a riqueza aos privados. Não serão, seguramente, eles que irão lutar, seriamente, contra a pobreza e reduzir drasticamente as desigualdades.

Já uma vez, nestes últimos anos, escrevi e agora repito: "Quem vos avisa vosso amigo é." Há que avançar rapidamente - e com acerto - na resolução destas questões essenciais, que tanto afectam a maioria dos portugueses. Se o não fizerem, o PCP e o Bloco de Esquerda - e os seus líderes - continuarão a subir nas sondagens. Inevitavelmente. É o voto de protesto, que tanta falta fará ao PS em tempo de eleições. E mais sintomático ainda: no debate televisivo da SIC que fizeram os quatro candidatos a Presidentes do PPD/PSD, pelo menos dois deles só falaram nas desigualdades sociais e na pobreza, que importa combater eficazmente. Poderá isso relevar - dirão alguns - da pura demagogia. Mas é significativo. Do que sentem os portugueses. Não lhes parece?...|

Via : http://dn.sapo.pt/2008/05/27/opiniao/pobreza_e_desigualdades.html

Geostratégia em mudança

Bush está no fim.
Os Estados Unidos, felizmente, perderam as ilusões. As múltiplas crises que a globalização neoliberal, sob a hegemonia norte-americana, têm gerado, desacreditaram o sistema: o unilateralismo internacional, com a América do Norte, polícia do mundo – e a consequente marginalização das Nações Unidas – pertencem ao passado.
Assistimos ao nascimento de um outro mundo: multilateral, com vários países e blocos emergentes, concorrentes entre si, eventualmente conflituais, mas sujeitos às mesmas crises – terríveis, deste início de século –, e esperemos que se possam entender para lhes fazer face. Vivemos no mesmo mundo. O senso comum exige-o.
A opinião pública global começa a emergir e a ser actuante.
A crise toca-nos a todos, quase por igual. Sejam as alterações climáticas e as desordens ecológicas do planeta, seja a crise alimentar e o espectro da fome, seja a desregulação internacional, o terrorismo, os fanatismos religiosos, o acréscimo da violência ou a carência gritante de umas Nações Unidas incapazes de se reestruturar, na fidelidade à sua Carta, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Objectivos do Milénio.
A América do Norte, a cinco meses da escolha de um novo Presidente, suscitou no Ocidente uma pausa reflexiva, que esperemos seja criadora. A União Europeia, que podia – e devia – antecipar-se, continua paralisada, dada a mediocridade e falta de audácia dos seus principais dirigentes. Sem rumo nem vontade.
Pelo contrário, a Ibero-América, tantos anos esmagada pela «colonização» do vizinho do Norte, passada a época das ditaduras dependentes, instruídas pelos chamados «boys de Chicago», aproveitou os anos da distracção provocados pela guerra do Iraque para consolidar as suas democracias e emergir em força.
A variedade ibero-americana, na unidade de duas línguas em expansão, que podem entender-se entre si – o espanhol e o português –, tem sido um factor de riqueza, com a inovação e o génio criador dos respectivos povos mesclados: brancos, índios, negros, mulatos, asiáticos.
O Brasil, que é um colosso, pela largueza e riqueza do território, pela densidade populacional e pelo génio do seu Povo, é um exemplo, nos últimos anos, de progresso e de boa governação. O México, outro país emergente, na fronteira dos Estados Unidos, busca um equilíbrio e uma independência económica ainda não completamente atingidos. A Argentina, o Chile, o Uruguai, diversificam as suas alianças e têm hoje relações comerciais significativas com novos investidores como a China, o Japão, o Canadá, sem esquecer obviamente a Europa.
A Venezuela, com as maiores reservas petrolíferas do mundo, irrita especialmente a administração Bush, com a qual Hugo Chávez não tem sido especialmente meigo. Tem criado uma rede de solidariedades que vai de Cuba, na complexidade da fase pós-Fidel, à Bolívia de Evo Morales, um indígena à frente de um Estado ibero-americano, ao Equador, ao Paraguai, ao Haiti e à Nicarágua, sob o signo do chamado «socialismo bolivariano». E tem relações económicas relevantes, não apenas no plano energético, com a Rússia, a China, o Canadá e o Irão.
Na União Europeia, é com a Península Ibérica – Portugal e Espanha – que a Venezuela se tem entendido melhor.
É natural. As raízes contam. Mas outros países europeus estão a procurar desenvolvê-las. Zapatero, no encontro de Lima, fez as pazes com Chávez, transmitindo-lhe uma mensagem apaziguadora do Rei. Foi importante. A senhora Merkel seguiu o exemplo. A geopolítica global está em mudança, regressando aos valores éticos essenciais.
Bem agiu José Sócrates quando, acompanhado de ministros, empresários e técnicos, fez uma visita histórica a Caracas, altamente produtiva para Portugal. Para além de tudo o mais – que é muito – temos cerca de 600 mil portugueses a viver e a trabalhar na Venezuela...
Via: http://aeiou.visao.pt/Opiniao/mariosoares/Pages/Geostrategiaemmudanca.aspx

Gasolina

Há dias escreveu-se aqui que o capitalismo era o maior libertador da história. A frase perturbou algumas almas sensíveis.
André Macedo

Compreende-se o escândalo. As palavras não são apenas o que elas dizem literalmente, são também as circunstâncias histórias que carregam e que, demasiadas vezes, contaminam a sua compreensão. Capitalismo e revolução, em pólos aparentemente opostos, são dois bons exemplos deste mal-entendido: há quem sinta o estômago às voltas só de as ouvir.
Não é caso para tanto. Quando se diz que o capitalismo liberta, não significa que se pretenda apagar os erros e os abusos do filho primogénito do capitalismo: o mercado. Seria ridículo e revelaria uma enorme ignorância. A exploração dos mais fracos nos países em vias de desenvolvimento confirma a imperfeição do mercado e das suas diversas manifestações, exportações e consequências. Não é sequer preciso ir tão longe para apontar os erros: os simples abusos das empresas nas economias desenvolvidas também reflectem as insuficiências do capitalismo. Mas daí não resulta a sua condenação à cadeira eléctrica. Significa apenas a necessidade de introduzir mecanismos de correcção dos seus falhanços. Ou seja, tribunais e reguladores que defendam, com equilíbrio, os interesses das pessoas.
Dito isto, repete-se o essencial: os mercados abertos e a concorrência – características que definem as democracias liberais – são poderosas sondas que atacam as bolsas de ineficiência, disciplinam as empresas e os governos, promovem a qualidade e o progresso. As manifestações do sucesso das economias abertas estão, por isso, todos os dias nas páginas dos jornais em grandes títulos ou em registos mais prosaicos. É o caso da guerra entre a Zon e a PT. Agora que as empresas se separaram, passou a haver mais concorrência entre os fornecedores de televisão. Quem ganha? O consumidor, claro, que hoje já recebe mais e melhor pelo mesmo preço.
No caso da gasolina o caso é mais intricado. Como resolver a escalada dos preços? Baixar o ISP seria uma solução desejável, mas é irrealista nos actuais dias de incerteza: o Governo não dividirá uma parte dos 2,8 mil milhões de receitas que conta receber este ano. Também seria uma monstruosidade intervir e condicionar o preço. A prazo, a consequência seria brutal e iríamos todos – com ou sem carro – pagar a factura. Sobra uma saída e uma esperança: confiar no regulador (AdC), que terá de manter-se alerta para ver se as gasolineiras estão a formar um cartel; e esperar que haja cada vez mais concorrência. A culpa não é da Galp. O problema é que só há uma Galp em Portugal. Com duas, só poderíamos estar melhor. Para os problemas de mercado há outro remédio: mais mercado.

Comentários

vg
Pura ingenuidade.Acha que a Zon e a "mãe" PT estão em concorrencia? O "triplay" da PT não era já conhecido dos chefes da Zon?A caixa "digital" da Zon não é uma tecnologia mais que conhecida ,que só peca por vir atrasada e cara?O que conseguiram foi este "faz de conta"de competição que, só é possível por falta de concorrencia a sério( gestão da Soanaecom é incomprensível).Se forem aos arquivos, verão que a Galp é ,há 50 anos ,líder do mercado e os outros vão ganhando o seu,comprando nas refinarias locais ,mantendo o "satus quo".Capitalismo de concorrencia?Querem maior escandalo do que o que se passou com o sector bancário?Este capitalismo não dispensa carteis e monopólios.Aliás previstos ,há mais de um século..

NapoLeão
Claro que a esta hora o camarada Karl Marx deve andar "aos pulos na sua sepultura londrina". Andassem os nossos ilustríssimos governates de metro, autocarro, comboio ou num Honda Jazz, Toyota Yaris, Renault Twingo e pagando dos seus bolsos e, perceberiam com a vida não está fácil. Mas como as deslocações são em Audis, BMW ou Mercedes pagos pelo orçamento, claro que não são sensíveis ao custo de vida. Já "ganharam o Céu" !!!

JOAMOR (joãodeamorim.amorim@gmail.com)
Deixemos o mercado funcionar e convençamo-nos de que os dias de ilusória prosperância já lá vão.Vamos passar a viver ao nivel das nossas possibilidades e lembremo-nos que ocupamos dos últimos lugares na Europa a 27 em termos de produtividade. Eu ando a pé, e nego-me a subsidiar gasolina para o pó pó daqueles que não se querem dar a essa chatisse.

Jose
Está enganado. Os 2,8 mil milhões de euros que o Estado recebe é que serão a morte da economia. O cadáver vai ficar sem sangue. Provar que há cartel? Sabe que está a lidar com as entidades mais poderosas do planeta? A BP, a Repsol, a Exxon, a Chevron, a Total ou a Shell mandam mais do que o Estado Americano....

Via: Diário Económico

Socialismo Liberal: Uma contradição?

As teorias económicas liberais são contra a ideia de utilizar os serviços públicos para alcançar uma maior igualdade e justiça sociais.

Raymond Plant

O actual tumulto no Partido Socialista francês (PS) prende-se com a questão de poder ou não haver uma forma de socialismo liberal. Ségolène Royal, primeiro-secretário do PS francês, e Bertrand Delanoe, presidente da Câmara de Paris, têm defendido que pode haver uma incorporação de princípios económicos e sociais liberais numa visão socialista da sociedade, enquanto que os seus críticos declaram que isso seria uma medida errónea, uma vez que os valores socialistas são a antítese dos liberais. E em qualquer caso, adiantam, o mundo sofre de uma multiplicidade de crises económicas e financeiras, cujas culpas atribuem ao liberalismo económico, pelo que seria uma péssima altura para pensar em incorporar princípios liberais nas posições socialistas. No entanto, será verdade que os valores liberais e os valores socialistas são mutuamente antitéticos? Na minha opinião, creio que há pelo menos um aspecto em que isso é falso e, na Grã-Bretanha, o New Labour (que está a passar por dificuldades devido ao ressurgimento do Partido Conservador) mostra-nos porquê. Tem sido postulado central do New Labour que os valores do moderno Partido Trabalhista são os mesmos que foram historicamente adoptados, incluindo as liberdades individuais, maiores igualdades sociais, o apoio às comunidades e maior justiça social. No entanto, tem também sido princípio central do New Labour poder haver ensinamentos a retirar do liberalismo económico, sobretudo no que diz respeito aos pontos de vista liberais sobre a contenção da burocracia, o que poderia melhorar os serviços públicos de que depende a concretização dos valores socialistas. O Labour está ainda empenhado em serviços públicos de alta qualidade, vendo-os como instrumentos para uma maior igualdade social, de maneira a que os pobres tenham acesso a escolas, médicos e hospitais de grande qualidade, e que tais serviços devem ser gratuitos.

Esta perspectiva não é, manifestamente, a da economia liberal. As teorias económicas liberais são contra a ideia de utilizar os serviços públicos para alcançar uma maior igualdade e justiça sociais e consideram que o papel dos serviços públicos e do Estado-providência deve ser limitado, até mesmo residual. Os economistas liberais defendem que o financiamento estatal dos serviços públicos deve tornar-se mais limitado e que devem privatizar-se cada vez mais serviços públicos, transformando o cidadão num cliente ou, pelo menos, num consumidor daquilo que se tornará basicamente um conjunto de bens privados a serem adquiridos no mercado por um preço, tal como quaisquer outros.

O New Labour tem uma perspectiva diferente. Quer serviços públicos de alta qualidade, mas acabou por acreditar que a melhor maneira de obter eficiência económica na crescente despesa pública, sobretudo em saúde e educação, é adoptar uma perspectiva neo-liberal num aspecto importante, o de incentivar a concorrência entre fornecedores de serviços. A ideia é a seguinte. O Estado continuaria a financiar os serviços públicos a níveis muito altos, em comparação com o passado, mas a fazê-lo cada vez menos em termos de provisão estatal directa aos hospitais e escolas, por exemplo. Em vez disso, os organismos do sector do voluntariado, incluindo as igrejas, as empresas sem fins lucrativos e mesmo as empresas privadas com fins lucrativos seriam encorajados a concorrer a contratos financiados pelo Estado. Ao subscrever um desses contratos por um período de tempo limitado, o fornecedor não estatal seria como uma empresa a operar num mercado, sujeita às pressões da concorrência, para fornecer um serviço de alta qualidade, de tal maneira que o contrato lhe possa vir a ser readjudicado após o termo. Deste modo, tal como noutro mercado qualquer, o receio da falência leva o fornecedor do serviço a dar mais atenção às necessidades do consumidor. Assim será também, defendem os pensadores do New Labour, no Estado-providência.

Os serviços públicos continuarão a ser financiados pelo Estado e a níveis mais altos do que tem acontecido até agora; continuarão a ser gratuitos no destino; mas a diferença é que a concorrência entre fornecedores de serviços deve impulsionar o desempenho, o que não é possível, defendem, num conjunto monolítico de serviços estatais prestados de modo burocrático. O Serviço Nacional de Saúde britânico é o terceiro empregador a nível mundial, a seguir ao Exército Vermelho da República Popular da China e à cadeia de lojas Wall Mart dos Estados Unidos. O argumento é que os valores que estiveram na base da criação do Serviço Nacional de Saúde britânico podem ser satisfeitos, com a diferença de que a prestação deve agora seguir uma lógica competitiva em vez de burocrática e monolítica. As finalidades socialistas ou, pelo menos, sociais-democráticas deste ponto de vista podem agora ser concretizadas por meio da lógica economista liberal. Esta mensagem está, agora, a concentrar e a dar que pensar às mentes dos reformadores do PS francês e o resultado de tal atitude pode muito bem ter efeitos em toda a UE.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Pobreza


Uma sociedade próspera não é uma sociedade “igual na pobreza”, mas desigual na riqueza. A única igualdade deve ser nas oportunidades.

João Marques de Almeida

Na última semana, a pobreza dominou a vida pública portuguesa. Mais uma vez, aqueles que governam o país há trinta anos, prometeram que a sua prioridade é lutar contra a pobreza. Seria caso para perguntar, o que andaram a fazer nas últimas três décadas? A verdade é que muitos deles acreditam genuinamente que tudo fizeram para combater a pobreza. E, de certo modo, estão certos. No entanto, o que fizeram, foi insuficiente. Em termos absolutos, Portugal está menos pobre do que estava no início dos anos de 1980, mas em termos relativos europeus continua pobre. Nada mudará, se não se fizerem mudanças radicais no modelo de desenvolvimento do país. O grave é que o debate da última semana mostra que não há vontade política para mudar. Como se Portugal estivesse marcado pelo síndroma dos Bourbons: nada aprenderam, nada esqueceram.

Há duas respostas dominantes. A primeira é ‘mais do mesmo’. Ou seja, políticas e ‘medidas’ para ‘ajudar’ os ‘pobres’. Há, contudo, uma grande diferença entre reduzir o sofrimento de quem é pobre e criar condições para se deixar de ser pobre. As ‘medidas’ todas de que se fala, aumentos do ordenado mínimo, subsídios, não acabam com a pobreza apenas melhoram um pouco a vida dos pobres. Não há até hoje algum exemplo em que o Estado tenha acabado com a pobreza. Mas, em Portugal, continua a acreditar-se no erro fatal: mais ‘Estado social’ significa menos pobreza. É exactamente o oposto. A história do século XX mostra que quanto maior foi a intervenção do Estado, mais aumentou a pobreza. Mesmo nos países escandinavos, onde o Estado fiscaliza uma distribuição justa da riqueza, é a sociedade que cria riqueza e o Estado limita-se a ser imparcial. A verdade é muito simples: só os pobres é que podem acabar com a pobreza. Querem combater a pobreza? Dêem oportunidades aos pobres para enriquecerem. Não os condenem, com pequenas ajudas, a continuar a serem pobres.

A verdade é que nem tudo é inocente. A ‘pobreza’ justifica um ‘Estado grande e pesado’. Por cada ‘pobre’, há um ‘funcionário’ que ‘combate’ a ‘pobreza’. Temos aqui um círculo vicioso: as forças políticas que se alimentam, com muita demagogia e muito populismo, da ‘pobreza’, precisam dos ‘pobres’ para aumentar o seu poder. Não é só a ‘pobreza’ que dá força à extrema-esquerda. É o poder da extrema-esquerda, nos sindicatos, nas corporações profissionais, na comunicação social, que impede as reformas necessárias para combater a ‘pobreza’. Eles sabem muito bem que se um dia Portugal fosse um país rico, eles desapareceriam da vida política. Basta olhar para o que se passa nos outros países europeus, começando com Espanha que nas últimas eleições afastou as forças radicais de esquerda do parlamento.

Chegamos assim à segunda resposta dominante quando se discute a pobreza: o ataque aos ricos e a elevação da igualdade a um princípio sacrossanto. Um dia, no auge do seu fervor revolucionário, Otelo Saraiva de Carvalho disse a Olaf Palme, o antigo líder social-democrata sueco: ‘em Portugal, queremos acabar com os ricos’. Respondeu Palme, ‘na Suécia, queremos acabar com os pobres’. A extrema-esquerda nacional continua a ser filha de Otelo. O ‘problema da pobreza’ é sempre um óptimo pretexto para atacar a riqueza e quem é rico. E temo que os próximos tempos sejam especialmente propícios a este tipo de populismo. E é um segundo erro fatal: sem riqueza, não é possível combater a pobreza.

Uma sociedade próspera não é uma sociedade ‘igual na pobreza’, mas desigual na riqueza. A única igualdade deve ser nas oportunidades. Tentar criar uma sociedade igualitária acabará por se transformar num totalitarismo social. A igualdade é própria dos regimes totalitários. As sociedades livres acabam, naturalmente, com a igualdade.

Uma aluna universitária, enamorada pelo socialismo, atacava frequentemente o seu pai por ser rico. Acusava-o de não dividir o seu dinheiro por aqueles que mais necessitavam. Um dia, farto das acusações, o pai perguntou à filha, boa aluna, as notas dos seus colegas. Sugeriu que ela desse três valores da sua média de 16 a todos aqueles que tinham 10, e assim acabariam todos com média de 13. Ele respondeu: ‘nem pensar, eu fartei-me de estudar e eles andaram o tempo todo na brincadeira’.
____

João Marques de Almeida, Doutorado em Relações Internacionais


Comentários

LOPES CARLOS
1. É normal a diferença de rendimentos entre os diferentes grupos sociais.
2. As novas classes e grupos/categorias sociais existentes na sociedade post-industrial também apresentam naturalmente essas diferenças de rendimentos.
3. No caso de Portugal, o que é de lamentar é a enorme diferença entre os rendimentos dos 20°/° mais ricos e dos 20°/° mais pobres. Com efeito, Portugal é o Estado da UE-25 que apresenta a maior desigualdade na distribuição de rendimentos. É o único País da UE-25 que consegue ser pior do que os EUA, conforme resulta dum Relatório da UE, publicado em 22 de Maio de 2008.

vg
Pobres deste país, estudem nas "novas oportunidades",apostem no "crédito online",criem a vossa "empresa na hora" e um dia ainda podem chegar à "comissão de remunerações" de um grande banco. Só os vencidos aceitam "rendimentos mínimos"...

Via:
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/index.html

Contribuidores