sábado, 19 de abril de 2008

Capitalismo de Pânico

Por Ignacio Ramonet.

Quem pode ainda duvidar? A crise que está contagiando o resto do mundo é já “a mais dolorosa desde o final da Segunda Guerra Mundial”.
Não o afirma qualquer um, mas sim o próprio Alan Greenspan, ex presidente da Reserva Federal estado-unidense. Dois números bastam para dar uma ideia dessa “dor”: Apenas em sessenta dias, as mil principais empresas do planeta perderam 158.000 milhões de euros, isto é, mais que o Produto interno bruto (PIB) anual de países como a República Checa ou Colômbia. E o valor em bolsa dessas mesmas mil grandes corporações, nos últimos oito meses, diminuiu cerca de três biliões de euros, ou seja mais que a soma do PIB anual da Alemanha e Brasil.
A Espanha não está a salvo. A crise dos sectores ligados ao “tijolo” (leia-se, p. 3, o artigo de Aleksandro Pombo Garrido) começa a transferir-se para as entidades financeiras. Segundo o Banco de Espanha, no fecho de 2007, as Caixas de Poupança acumulam já 1.600 milhões de euros em créditos duvidosos concedidos a construtoras e imobiliárias.
E tudo se parece acelerar.
O verão passado, quando rebentou a bolha das hipotecas lixo, a Reserva Federal estimava que as perdas dos bancos elevar-se-iam a uns 100.000 milhões de euros. Hoje calcula-se que se situam entre 200.000 e 300.000 milhões, ainda que diversos analistas considerem que atingem, na realidade, os 600.000 milhões. E alguns peritos até sustentam que o volume real das perdas não é inferior aos dois biliões de euros… . Tão díspares apreciações - do um ao vinte, - dão a verdadeira dimensão da crise, contribuem para agravá-la. Traduzem nervosismo, ignorância. Ninguém parece saber nada, o que enlouquece mais o sistema. E deixa perplexos os cidadãos. Alguns analistas assinalam o seguinte: comparadas com um orçamento familiar ordinário, os números citados podem parecer oceânicos e demenciais. No entanto, referidas à vida ordinária da Bolsa, são por assim dizer normais e banais. Por exemplo, se tomamos o número mais geralmente admitido de 300.000 milhões de euros de perdas, e se o comparamos com o volume do mercado financeiro, representa apenas uma queda de 1% do mercado de acções estado-unidense . Algo que sucede habitualmente em Wall Street. Sem que ninguém se preocupe. E que banqueiros e agentes de carteira absorvem de modo rotineiro.
Por quê então esse grãozinho de areia tem podido engendrar semelhante crise? Porque tem havido tanta especulação e tanto engano, que agora domina a desconfiança. Estendem-se como rasto de pólvora os rumores. E toca o salve-se quem puder. O que não impede, no meio do que começa a parecer um naufrágio, que os abutres financeiros fiquem à espreita. Conduzidos pelo seu instinto predador, sem se importarem com o destino de um sistema que cambaleia. Eles são os culpados da espectacular queda de Bear Stearns, o quinto banco de investimento do mundo. Detalhadamente, o New York Times tem relatado como uma quadrilha de especuladores que o diário qualifica de “Gang de Wall Street” e do qual faziam parte “algumas das pessoas mais poderosas de Wall Street e de Washington”, organizou, em apenas três dias, a queda de Bear Stearns. E, com a cumplicidade da Reserva Federal, favoreceu sua compra - que o jornal chama “latrocínio”- em favor de JPMorgan Chase.
Metodicamente, desde a sede deste banco lançou-se uma campanha de rumores, fazendo questão de uma pretendida falta de liquidez de Bear Stearns. Com telefonemas pessoais a grandes investidores, aterrorizando-os e empurrando-os a retirar de imediato os seus fundos. Em menos de cem horas, o preço da acção afundou-se de 70 para 2 dólares. O presidente de Bear Stearns, Alan Schwartz tratou de lançar uma contra-ofensiva, demonstrando, com documentos e provas, a falsidade dos rumores. Não o conseguiu. O próprio Secretário do Tesouro (equivalente a ministro de Finanças), Henry Paulson Jr, ex director executivo do banco Goldman Sachs e que alguns suspeitam que faz parte da conspiração, interveio junto do presidente de Bear Streans para lhe dar o golpe de misericórdia. Diz o New York Times: “Pôs-lhe o cano da pistola no peito: ‘ou aceitas um acordo com JPMorgan, ou abrimos expediente de bancarrota”.
Dá pânico.
À beira do vulcão, estes especuladores ainda aproveitam a inquietude reinante para obter ganhos, à custa de quem quer que seja. Encarnam a versão mais infernal do capitalismo. E o pior é que fazem escola. Agora, muitos querem cometer o mesmo crime: conseguir que o valor de um estabelecimento bancário, em apenas três dias, se divida por 15. E possa ser adquirido a preço de ganga. Desde então, à base de campanhas de rumores, o valor do banco hipotecário Halifax Bank of Scotland (HBOS), por exemplo, depenou-se em18%. O do Lehman Brothers perdeu 20%. E Union dês Banques Suisses (UBS), atacado também pela especulação, teve que desmentir que esteja a ponto de ser comprado pelo Crédit Suisse.
Os especuladores sabem que arriscam pouco. Estão agora seguros - é a outra lição do assunto Bear Streans - de que, em caso de dificuldade, os Estados intervirão. Porque os Governos têm pânico da possibilidade de que o derrube de um banco, por efeito dominó, seja capaz de afundar o sistema. Faz poucas semanas, renegando a sua fé absoluta no mercado, o Governo britânico viu-se obrigado a nacionalizar o banco Northern Rock. E em muitos países de tendência neoliberal, onde não se cessou de repetir o sagrado mandamento neocon segundo o qual “ainda há demasiado intervencionismo do Estado”, temos assistido a uma multiplicação de intervenções estatais: pacotes de medidas fiscais, redução de taxas de juro, injecções de liquidez, e até nacionalizações. Medidas ruidosamente aprovadas agora pelos críticos de antanho. E todas elas - suprema imoralidade - financiadas pelos contribuintes.
De novo se socializam hoje ou se mutualizam as perdas, enquanto ontem se privatizavam os ganhos e os benefícios. E uma vez mais fica demonstrado que o mercado, por si só, é incapaz de auto-regular-se.
Que espera o Estado para pôr limites por fim a este capitalismo de pânico?
Fonte: desconhecida

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