sexta-feira, 18 de abril de 2008

Salvar a Economia

Querem salvar a economia?

Espalhem a riqueza e dêem um aumento aos trabalhadores

por Mike Whitney [*]

A sombra escura da insolvência paira sobre a Wall Street. Um jogador importante, o Bear Stearns, já afundou, e aparentemente um outro gigante do investimento pode estar no mesmo caminho. Está a ficar feio fora dali. O chamado TED spread [1] , que mede a relutância dos bancos a emprestarem uns aos outros, começou a ampliar-se ameaçadoramente, o que sugere que os mercados de dinheiro pensam que mais um cadáver estará a flutuar rumo à superfície um dia destes.
A desalavancagem em andamento das instituições financeiras e a persistente degradação de activos deixa o Fed aturdido. Bernanke encurralou-se a si próprio ao estender o mandato do Fed de forma a incluir toda a gente na Wall Street com um endereço email e uma tigela de mendigo. Agora ele assumiu a tarefa ainda maior de consertar a canalização que mantém o crédito a fluir entre os vários bancos de investimento. Boa sorte. Há muito mais sofrimento pela frente. O FMI espera que a conta final virá a ser de US$945 mil milhões, o que significa para os bancos US$3 milhões de milhões em empréstimos perdidos. Ao melhor ritmo do próprio Bernanke, esta confusão poderia perdurar durante anos.O fiasco dos subprime americanos desandou no que o FMI está a denominar "o maior choque financeiro desde a Grande Depressão". Os mercados de capital da América estão no congelador. O mercado de títulos corporativos está congelado, os bancos estão abalados com as suas perdas, e o mercado habitacional está em ruínas. Ninguém está a comprar e ninguém está a emprestar. Os negócios com acções privados estão 75 por cento abaixo do ano passado e ninguém tocará um mortgage-backed security (MBS) nem com uma vara de dez metros. A poderosa roda das finanças modernas está a ranger até à paralisação e ninguém sabe como fazê-la girar outra vez.Os consumidores americanos também estão a sentir o aperto. Os cartões de crédito atingiram o limite máximo, empréstimos a estudantes vencidos, pagamentos de carros com atrasos, e hipotecas a entrarem em fase de arresto. Além disso, os salários não mantiveram o ritmo da produção e o saldo líquido dos empréstimos habitacionais foi encerrado. Agora que a torneira do crédito foi fechada, o trabalhador americano está a sofrer, mas ninguém está a oferecer-lhe uma salvação ou mesmo uma ajuda, apenas umas poucas migalhas do "pacote excedente" de Bush. Quinhentos dólares mal dá para encher o tanque de um SUV de tamanho normal. Um novo inquérito do Pew Reasearch Center, "Dentro da classe média — Maus tempos golpeiam a boa vida", mostra que as famílias trabalhadoras estão endividadas até às orelhas e que menos americanos "acreditam que estão a avançar" do que em qualquer momento no último meio século. O estudo mostra também que a maior parte das pessoas acredita que "é mais difícil manter um estilo de vida classe média" e que "desde 1999, eles não tiveram ganhos económicos". As famílias médias estão a lutar apenas para pagar as contas.
É porque muitas pessoas compraram casas quando deveriam ter aberto contas de poupança. Elas foram ludibriadas com a especulação habitacional a fim de obter algum dinheiro. Parecia um bom meio para ultrapassar salários estagnados e horas extras mal pagas. Os sábios animadores da TV garantiam que "os preços das casas nunca cairão". Era tudo conversa fiada. Agora 15 milhões de proprietários de casas estão de cabeça para baixo com as suas hipotecas e exactamente os mesmo peritos estão a censurar os trabalhadores por falsificarem os factos nos seus formulários de rendimentos.
Não é de admirar que a confiança do consumidor tenha caído para recordes de baixa. Os trabalhadores não precisam lições sobre poupança de dinheiro, eles precisam de um aumento. As pessoas importantes no Bear Stearns ainda estão a jantar lagostas no Four Seasons enquanto os trabalhadores estão simplesmente a tentar encontrar um caminho no meio do Inverno nuclear de Greenspan. Onde está a justiça?
Já foram escritos volumes acerca da crise actual, subprime-isto, subprime-aquilo. Tudo o que podia ser dito acerca de collateralized debt obligations (CDOs) credit default swaps (CDS) e mortgage-backed securities (MBS) já foi dito. Sim, eles são exóticas "inovações financeiras" e, não, eles não são regulados. Mas que diferença faz isso? Aquilo sempre foi banha da cobra e sempre houve vendedores de banha da cobra. Greenspan simplesmente elevou a barra um ponto, mas ele não é o primeiro bufarinheiro e nem será o último. O que realmente importa é a ideologia subjacente, que é a razão de fundo para a libertação desta hidra que salta sobre a economia. Trinta anos de gotejamento (trickle down), 30 anos de tagarelice sobre o lado da oferta (supply-side), 30 anos de culto ao ídolo reaccionário Ronald Reagan, 30 anos de implacável política anti-trabalho, mercado livre, ortodoxia desregulamentada, que inchou o maior Zeppelin de saldo líquido da história.
Agora a bolha está a assobiar no furo do dirigível e a fuga do gás lança a devastação por todo o planeta. Há tumultos por alimentos no Haiti, no Egipto e no Kuwait. Onde quer que a divisa local esteja ligada ao dólar em queda, a inflação está a levantar voo e as perturbações a fermentarem. Os bancos europeus também estão a listar o lixo apoiado por hipotecas que compraram de correctores nos EUA e precisam de planos de salvação dos bancos centrais para continuarem a flutuar. São mais partículas radioactivas decorrentes da vigarice das subprime. Ministros das Finanças em todas as capitais de todos os países estão a preparar-se para um furacão tipo década de 1930 que poderia remeter as acções para o crash e disparar os preços dos alimentos e da energia para a estratosfera. E tudo isto pode ser rastreado às doutrinas loucas do neoliberalismo. Estas são as teorias que guiam as políticas monetárias "espreme-o-teu-vizinho" da América e espalham a perturbação financeira em todas as cidades e aldeias do mundo. Os actuais comissários de bordo do sistema são incapazes de consertar o problema, porque eles representam os interesses das pessoas que mais beneficiaram com as rupturas. O mais recente "plano" de Paulson para os mercados financeiros é um bom exemplo; nunca um esquema mais pro-negócios e em causa própria, foi colocado sobre o papel. Gary North resume isto no seu artigo "Really Stupid Loans":
"Com a mais recente proposta do Federal Reserve System, apresentada ao público pelo secretário do Tesouro Henry "Goldman Sachs" Paulson, o Fed está a pedir ao governo dos Estados Unidos para torná-lo o Grande Protector do Capital... As novas propostas centralizarão o poder sobre as finanças nas mãos de uma agência que é oficialmente dirigida pelo governo mas de facto é dirigida pelos agentes dos maiores bancos de reserva fraccional. ...A regulação por equipas de economistas do quadro permanente não tornará o sistema menos frágil. Ela o tornará mais pesado no topo e menos flexível. "Alguma versão deste plano provavelmente será aprovada no próximo Congresso. Não importa se sim ou não, a direcção é a mesma: rumo a uma economia controlada pelo governo federal junto com os proprietários privados titulares dos meios de produção, isto é, rumo ao fascismo". (Garo Norte, Rally Tupis lonas)
Toda a questão é colocar os mercados sob o controle do Fede de modo a que, quando surgir a próxima crise financeira (a próxima vigarice), o Fede possa salvar os banqueiros e administradores de euge funda sem consultar o Congresso.·O plano de Paulino é um jogo de poder, nada mais. A máfia do investimento quer tomar o comando de todo o sistema financeiro na sua perfeição. Eles querem liquidar a SEC (Seguires AMD Exchange Comissiona) e qualquer outro cão de guarda do governo e colocar os bancos de investimento, euge funda e correctores no sistema de honra. É o fim da transparência e responsabilidade as quais, naturalmente, já são escassas.
NACIONALIZAÇÃO DA HIPOTECAActualmente, Paulino e Birmane estão a expandir os balanços das Empresas Patrocinadas pelo Governo (Governem Sponsors Interpretes, SES) de modo a que a Fanei Mãe e o Freire Mac subscrevam 85 por cento de todas as hipotecas enquanto a FHA (Federal Holding Administrativo) cobrirá mais 10 por cento. A indústria da hipoteca está a ser nacionalizada para salvar os compadres da banca enquanto o contribuinte é preso com outros US$4,4 milhões de milhões de empréstimos dúbios. Paulino não se importa se o contribuinte será provisionado para a conta. O que o incomoda é a perspectiva de que, em algum momento, os trabalhadores exigirão salários mais altos para acompanhar a inflação. Então irromperá todo o inferno. Paulino AMD Co. preferiria ver a economia perecer num holocausto deflacionario do que acrescentar outra migalha ao salário dos trabalhadores. Ele e os da sua laia travam a guerra de classe com muita seriedade; eis porque estão a vencer. Mas a sua estratégia também cria problemas. Quando os salários não acompanham a produção, a procura diminui e a economia vacila. É o que está a acontecer agora e Paulino sabe isso. Os trabalhadores estão super-tensos e não podem comprar as coisas que fabricam. Eles mal têm o suficiente para alimentar as crianças e encher o tanque para o trabalho. Os gastos do consumidor (os quais representam 72 por cento do PIB) estão em queda livre ao mesmo tempo que a bolha do saldo líquido do Fede está a explodir.
O neoliberalismo tem um registo de vinte anos de produção de exactamente as mesmas calamidades. Por que esta crise será diferente? Por que deveriam os EUA ser poupados do mesmo tratamento predatório aplicado a muitas outras vítimas da oligarquia corporativa global? Após a explosão da bolha do saldo líquido do Fede, os abutres corporativos atacarão e comprarão recursos vitais e industriais por tostões.·O economista Michael Hudson antecipou muitos dos desenvolvimentos actuais nos mercados financeiros numa entrevista admiravelmente presciente em CounterPunch, em 2003, chamada The Coming Financial Reality :
Michael Hudson: "A livre empresa sob as condições financeiras de hoje ameaça provocar uma centralização sem precedentes de planeamento, não nas mãos do governo mas sim de conglomerados financeiros e administradores do dinheiro. Quando o poder de planeamento do governo é destruído ele fica disponível para ser tomado, com um monte de exorbitâncias deixadas para os políticos cujas campanhas eles apoiaram e que "descerão do céu" para empregos muito bem pagos no sector privado, estilo japonês, depois de terem efectuado o seu serviço para o novo regime.
Pergunta: O regime financeiro não é constituído senão por parasitas?Michael Hudson: "O problema com parasitas não é apenas o facto de eles sugarem o alimento e nutrição do seu hospedeiro, enfraquecendo o seu poder reprodutivo, mas sim de que eles se apossam também do cérebro do hospedeiro. O parasita engana o hospedeiro levando-o a pensar que está a alimentar-se a si próprio.
"Algo assim está a acontecer hoje quando o sector financeiro devora o sector industrial. O capital financeiro pretende que o seu crescimento é formação de capital industrial. Eis porque a bolha financeira é chamada "criação de riqueza", como se ela fosse o que reformadores económicos progressistas imaginaram um século atrás. Eles condenaram a renda e o lucro de monopólio, mas nunca sonharam que os financeiros acabariam por devorar os proprietários da terra e os industriais. Os Imperadores da Finança venceram os Barões da Propriedade e os Capitães da Indústria". (Michael Hudson, "The Coming Financial Reality", Counterpunch, entrevistado por Standard Schaefer.)
Bingo. Hudson não só explica como o capitalismo financeiro está a inserir-se dentro da estrutura de poder governamental como também prevê que a "formação do capital industrial" – que é a produção de coisas que as pessoas realmente podem usar para melhorar as suas vidas – será substituído com complexos instrumentos de dívida e derivativos que não acrescentam valor tangível às vidas das pessoas e servem meramente para expandir a riqueza de uma bem estabelecida e cada vez mais poderosa classe de investidores.
O capitalismo financeiro "devorou proprietários da terra, industriais e afins" e criou uma galáxia de passivos sedutores os quais são mascarados como activos. Contratos de derivativos, por exemplo, representam mais de US$500 milhões de milhões (trillion) de transacções não regulamentadas de contrapartes, um "sistema bancário sombra" completamente desligado da economia "real" subjacente, mas suficientemente grande para remeter o mundo para uma depressão cruel durante os próximos anos. O objectivo deveria ser desmantelar este corrupto sistema Ponzi [2] , o qual simplesmente envolve a dívida numa fita, e reconstruir a economia sobre um sólido fundamento do trabalho produtivo, da solidariedade de trabalhadores e acima de tudo da redistribuição do rendimento e portanto do poder de compra que agora foge do sistema e flui para os dois ou três por cento do topo.
O poder político tem que ser tomado aos mandarins financeiros ou então a disparidade de riqueza continuará a crescer e a democracia definhará. Já vimos as nossas principais instituições – os tribunais, o congresso, os media e a presidência – poluídos pelo fluxo constante de contribuições corporativas, as quais servem apenas os interesses estreitos das elites.
Henry Liu expande esta ideia no seu excelente artigo A Panic-stricken Federal Reserve :
"Na década de 1920, a vasta disparidade de riqueza entre os ricos e o assalariado médio aumentou a vulnerabilidade da economia. Para uma economia funcionar com estabilidade numa escala macro, a procura total precisa equalizar a oferta total. A disparidade de rendimento resultará finalmente na deficiência da procura, provocando o excesso de oferta. A extensão de crédito aos consumidores pode prolongar o desequilíbrio oferta/procura mas se o crédito for estendido para além da capacidade do rendimento para sustentá-lo, isto resultará numa bolha de dívida que inevitavelmente explodirá com sofrimento económico que pode ser aliviado apenas através da inflação... Mais investimento normalmente aumenta a produtividade. Contudo, se as recompensas da produtividade acrescida não forem distribuídas razoavelmente para os trabalhadores, a produção em breve ultrapassará a procura. A busca por altos retornos num mercado em baixa procura levará a bolhas de dívida com especulação generalizada. Hoje, o crédito pendente do consumidor excepto hipotecas habitacionais soma cerca de US$14 milhões de milhões (trillion), aproximadamente o mesmo valor do PIB anual.
Voilà. Uma economia forte exige uma força de trabalho forte e uma distribuição equitativa da riqueza. Quando o dinheiro está concentrado em muito poucas mãos, o sistema político atrofia e torna-se indiferente às necessidades do seu povo. É nessa altura que as leis e instituições do país são remoldadas de modo a reflectir as ambições dos ricos e poderosos.O sistema financeiro está a fazer exactamente o que foi concebido para fazer, está a esmagar as décadas da experiência do gotejamento (trickle-down). Programas sociais foram extintos, a infra-estrutura civil está em cacos, as protecções legais foram barbarizadas e os direitos dos trabalhadores foram golpeados. Será de admirar que estejamos embrulhados numa guerra invencível e que o sistema financeiro esteja em bancarrota?
O único meio de romper a opressão da Comissão Política financeira da Wall Street é nivelar o campo de jogo através de maior distribuição de riqueza. Este é o melhor caminho para reacender a democracia e tornar a América a terra da oportunidade. E tudo isto começa por dar um aumento aos trabalhadores da América.
12/Abril/2008

[1] Inicialmente, o TED spread era a diferença entre a taxa de juros para três meses do contrato do U.S. Treasuries e o contrato de três meses em Eurodólares representado pelo London Inter Bank Offered Rate (LIBOR). Entretanto, desde que a Bolsa de Mercadorias de Chicago abandonou o T-bill futures, o TED spread agora é calculado como a diferença entre a taxa de juros T-bill e o LIBOR. O TED spread é uma medida de liquidez e mostra o fluxo de dólares dentro e foram dos Estados Unidos (Wikipedia). [2] Ponzi: nome do vigarista que nos anos 30 montou um esquema tipo pirâmide nos EUA, tal como o da D. Branca em Portugal.

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