sexta-feira, 11 de abril de 2008

História, Interesses e Verdades Sobre o Tibete

por Elias Jabbour*

A “mão invisível do mercado” ou algum “hedge fund” teria condições de alçar o progresso social e material de uma localidade como o Tibete, longe da soberania chinesa? Algum monge profeta de uma futura “independência do Tibete” ou qualquer intelectual orgânico do status quo reinante ou algum (a) jornalista brasileiro correspondente na China aceitariam enfrentar este debate? Alguma consideração fora das palavras de ordem ditadas em algum “instituto de estudos chineses” ou em redacções dos jornalões do imperialismo, ambos localizados no centro do sistema?

Como geógrafo e pesquisador ocupado há quase 15 anos com a temática chinesa, já tive acesso a diversos mapas da China produzidos na Europa ou nos EUA antes de 1949. Em todos eles o Tibete é contemplado como parte da China. O que será que ocorreu há 60 anos para cá? Muita coisa mudou, interesses estão em jogo, inclusive a China não é o mesmo país da década de 1940. Muito pelo contrário.
Questões que devem ser respondidas

Antes de qualquer coisa, acredito ser interessante a resposta a algumas perguntas políticas, pois a descaracterização do Tibete como parte inalienável do território só pode guardar conotação política: você advogaria em favor da legalização de uma sanguinária “teocracia escravista” aliada ao imperialismo que, para bem do povo Tibetano, foi desmantelada e desarmada em 1951 com a retomada da soberania chinesa sobre o Tibete? O mais ferrenho anticomunismo justifica tal defesa? Ou tal defesa só é justificável, justamente por uma postura de classe reaccionária e na contramão da ampliação dos mínimos direitos humanos, a começar pelo direito à vida? Resumindo, a quem interessa a divisão de países como a Jugoslávia, a ex-URSS e da China?

Vamos nos render às imagens de monges revoltados alimentados ideologicamente por um multimilionário financiado pela CIA (Dalai Lama: alguém já procurou saber quem financia os milhares de exemplares de suas receitas espalhadas por livrarias do mundo inteiro?) ou nos deteremos à verdade historicamente construída e concebida, para quem o Tibete é parte da China há mais de sete séculos? Trata-se de um conflito entre um povo nacionalmente oprimido, ou entre duas coligações sociais e entre interesses internacionais distintos? Ou é legítimo o projecto do Dalai Lama de construção de um “Grande Tibete” incluindo territórios hoje pertencentes a China, a Índia e ao Nepal? (1)

Bom, a bem da sensatez e da verdade histórica, reflectir sobre tais questões.
Oposição histórica ao governo central

Confesso que não fui assaltado por grandes surpresas ante os acontecimentos da semana passada em Lhasa, capital do Tibete. Grande parte dos monges residentes no Tibete nada tem de contrário à soberania chinesa sobre a região. Outra parte, mais radicalizada e afeita à liderança de Dalai Lama, sempre esteve disposta a enfrentar o governo chinês. Estiveram à frente da grande revolta, que degenerou em grandes conflitos entre os anos de 1959 (ano em que Dalai Lama se exilou na Índia) e 1961, inclusive com a participação de guerrilheiros Tibetanos, treinados no estado norte-americano do Colorado e lançados de pára-quedas em território chinês, juntamente com armas e aparelhos de retransmissão (2).

Naquele momento, as revoltas contra o governo central iniciaram-se em 1956, quando o governo, após reorganizar o mapa do país e transformar o Tibete e outras regiões de minorias étnicas em “regiões autónomas”, partiu para a radicalização de reformas como a agrária e do direito; reformas encetadas justamente contra as bases económica e política da então classe dominante Tibetana (3). Aliás, os actuais distúrbios têm como objectivo lembrar o início das revoltas de monges Tibetanos contra as reformas democráticas, em 1959.

Abrindo parêntese, Duarte Pereira nos alerta que, em 1956, o actual Dalai Lama – ao discorrer acerca da concentração de renda na região – na sua autobiografia, chama atenção para o facto de que no Tibete, o governo local detinha e administrava directamente 38,9% das terras da região, os mosteiros 36,8%, os aristocratas leigos, 24% e os camponeses 0,3% restantes (4). Foi contra esse estado de concentração económica e política que as reformas democráticas encampadas pelo governo central, na segunda metade da década de 1950, se dirigiam; com a oposição das mesmas camadas sociais que foram às ruas de Lhasa na semana passada.

Dalai Lama condecorado por Bush

Retornando, exemplo semelhante reside nos acontecimentos de Abril de 1989 também em Lhasa – e alguns meses antes dos lamentáveis ocorridos em Tiananmen –, quando o actual residente chinês, Hu Jintao, então governador da região autónoma, impôs a lei marcial como resposta ao levantamento. Em 1989, mesmo defendendo o direito da Índia de dispor de bombas nucleares, ironicamente, Dalai Lama, foi condecorado com o Prémio Nobel da Paz. Além de uma ofensa a qualquer mente pensante deste mundo, tratou-se de uma verdadeira condecoração política, circundada pela débacle do sistema socialista europeu e soviético.

Assim sendo, sem medo de ser superficial ou leviano, os interesses saídos do porão por parte dos monges rebeldes da semana passada, em nada diferem dos interesses defendidos por eles mesmos, no meio de distúrbios provocados na posteridade imediata da reocupação chinesa sobre a região no início da década de 1950. Existem, portanto, dois grandes interesses internos ao Tibete em jogo, que se entrelaçam por uma questão de maior envergadura residente na luta do imperialismo contra a unidade nacional da última política fronteira a ser aberta pós-1990. Não são nenhuma fantasia as elucubrações da extrema-direita norte-americana, da necessidade de se levar adiante a fragmentação da China em sete países. Além disso, é intolerável a existência de um partido comunista no poder num país com a importância e crescente influência da China. Eis o “x” da questão.

Neste sentido é muito significativo o facto de George Bush, em Setembro de 2007, ter sido o primeiro presidente norte-americano na atribuição de suas funções, a receber Dalai Lama na Casa Branca. Não somente isso, em seguida o acompanhou e entrou de mãos dadas com o mesmo no Congresso para a entrega – ao Dalai Lama – da Medalha de Ouro do Congresso dos Estados Unidos, maior honraria civil do país. Diga-se de passagem, maior honraria civil outorgada ao herdeiro de uma das formas mais brutais e cruéis de governo da história da humanidade. Sob este prisma, interessante é a lembrança feita por Domenico Losurdo (em “Fuga da história?”) de opinião emitida nada mais nada menos que no “Livro Negro do Comunismo”, para quem na sua página número 509 pode ser encontrada a seguinte observação: “uma elementar análise histórica é suficiente para destruir o mito unânime alimentado pelos partidários do Dalai Lama”. Pelo andar da carruagem, actualmente, não existe nenhum interesse nesta desconstrução.

Voltando, dois elementos devem vir à tona hoje:
1) O Tibete é a região chinesa com índices de desenvolvimento humano e económico com maior expansão nos últimos cinco anos e acompanhado por um aumento substancial na influência local tibetana sob os assuntos da região e,
2) Existe um esgarçamento imperialista internacional sobre os dois principais elos débeis do sistema, a América Latina (vide Plano Colômbia e a ofensiva contra a política de integração sul-americana) e a própria Ásia (recente aliança militar EUA-Japão, retoma de vendas de armas a Taiwan, mobilização de intelectuais europeus e norte-americanos pelo boicote aos jogos olímpicos de Pequim etc.).


Soberania historicamente irrefutável

A unidade e a formação territorial chinesa, fruto dos intercâmbios económicos, políticos e culturais entre a etnia maioritária han e as demais nacionalidades que hoje compõem a plêiade do conjunto da nação chinesa. A China nunca tivera uma vocação expansionista, sendo que a absorção de territórios e culturas foi um processo marcado por três características:
1) longo tempo histórico entre o contacto inicial entre diferentes povos (han com mongóis, Tibetanos, uigures) e a incorporação territorial em si,
2) as mediações e processos que possibilitaram a incorporação de novos povos ao Império Chinês sempre fora marcadas por tratados comerciais e de protecção militar e,
3) a anexação de novos territórios somente ocorreu em momentos em que a China fora governada por dinastias estrangeiras (mongol e manchu).

O reino tibetano do Tubo foi formado no século 7 d. C., momento em que dois descendentes e soberanos se casaram com princesas Han, firmaram acordos de variados tipos com o Império Chinês e aceleraram o intercâmbio cultural e económico entre as duas nacionalidades (5). Prova disso são os telhados das construções existentes no Palácio de Verão em Pequim, onde o tom amarelo dos telhados lembra os dos mosteiros visitados com frequência por representantes do Império Chinês ao Tibete. Passaram-se cerca de seis séculos entre a formação do reino do Tubo e a incorporação do Tibete ao território chinês pela dinastia mongol (yuan); revoltas de fanáticos religiosos como as de hoje, levaram à morte o rei do Tubo no século 9 d. C., e foram seguidas por quase 400 anos de guerras entre mosteiros e principados.

Anotações de Marco Pólo datadas da época de sua visita à corte de Kublai Khan, (imperador mongol da China) dão conta do Tibete ser uma das 12 províncias que formavam o Império Chinês. Uma série de outras evidências históricas, poderiam ser citadas para demonstrar a legitimidade da soberania chinesa na região. O espaço não permite tanto, mas permite lembrar que desde o século XIII nenhum país reconhece o Tibete como território separado da China, assim como desde o século XVIII as nomeações de autoridades regionais com status religioso e político, (por exemplo, o Dalai Lama e o Panchen Lama) deveriam ser subscritos pelo governo central. Aliás, o próprio entrelaçamento entre poder religioso e público surgiu no Tibete, ainda no século XIII, numa arrumação institucional que pudesse contemplar os interesses regionais (muito relacionados à religião) com os ligados ao Império como um todo, é produto da soberania chinesa (6).

Nada disso interessa ao status quo internacional actual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.
Império britânico e da discórdia

O início do declínio da soberania chinesa sobre o Tibete é concomitante com a perda de sua própria autonomia, a partir das Guerras do Ópio ocorridas entre 1839 e 1842 contra a Inglaterra, que naquela época era a porta-voz dos traficantes internacionais de drogas, e que, foi a guerra pela manutenção das rotas marítimas e terrestres da droga manufacturada na Índia. A China, a partir de então, foi reduzida a uma semi-colónia agredida e dilacerada por potências que hoje, ironicamente, advogam o respeito pelos “direitos humanos” e pela “independência” do Tibete. Essa observação também não interessa ao status quo internacional actual. Para quê?

O enfraquecimento nacional chinês levou, por exemplo, a Rússia czarista a ocupar a porção norte da Mongólia e formar a chamada “Mongólia Exterior”, que posteriormente na década de 1920, após um golpe bolchevique planeado por Lenine, passou a chamar-se República Popular da Mongólia; o Japão veio a ocupar o nordeste do país (Manchúria), estabelecendo uma monarquia títere (Qing) posteriormente derrubada pelo movimento republicano de 1911. A própria Inglaterra investia sobre o território chinês tanto pelo litoral sul, quanto pela via das suas então colónias Índia, Nepal e Butão, em direcção ao Tibete. Tentativas de invasões ocorreram nos anos de 1888 e 1903, seguidas pelo Tratado de Lhasa, onde os chineses, além de reparações milionárias, tiveram de garantir acesso a rotas comerciais, via Índia, à Inglaterra, além de permitir o estacionamento de tropas inglesas, instalação de postos de correios e telegráficos, e a autorização (para a Inglaterra) de manejar as relações exteriores do Tibete (7). O que significa dizer, perda quase completa de soberania sobre a região em prol dos interesses comerciais e políticos ingleses no sul da Ásia. Uma forma de reduzir o Tibete ao status antes proferido à Índia, logo a semente da discórdia em prol de uma independência da região fora lançada, com alcance estratégico sentido até aos dias de hoje. Melhor, nos próprios acontecimentos da última semana.

A semente da discórdia plantada pela presença britânica no Tibete, pode ser sentida no ódio reservado pelos monges aos estabelecimentos comerciais de chineses da etnia maioritária han. Analogia histórica deve ser feita ao ódio religioso entre hindus e muçulmanos na Índia que transbordou na formação de três países separados (Índia, Paquistão e Bangladesh) após a retirada inglesa na década de 1940. Em ambos os casos, han e tibetanos no Tibete e hindus muçulmanos na Índia, as diferenças viveram com concórdia durante os séculos que antecederam a ocupação real britânica. O império britânico foi um grande factor de desestabilização regional, sentida com dor, sangue e lágrimas até os dias recentes.

Volto a repetir: Nada disso interessa ao status quo internacional actual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.

Pedra no tabuleiro dos interesses norte-americanos

Enfraquecer o já extenuado exército comunista, com a intenção de acelerar uma mudança de governo em Pequim, este era o claro objectivo da inteligência norte-americana com o aumento de sua intervenção política no Tibete após 1947, momento em que já era clara a vitória do PCC sobre o Kuomintang na guerra civil. Neste contexto é significativo o envio, por Mao Tsetung, de um de seus chefes militares mais experimentados (um tal de Deng Xiaoping) ao sudoeste do país com a intenção de – rapidamente – se apoderar militarmente do “teto do mundo”.

O Tibete aos olhos do imperialismo tem uma importância que evoluiu com o tempo: durante a Guerra Fria, a sua independência poderia servir de bastião obscurantista, num continente onde as lutas entre socialismo e capitalismo ocorreram de forma mais sangrenta e, quase, sempre com epílogo em favor dos comunistas. Actualmente, poderia servir, além de base de missões e de bases militares, como um “Estado tampão”, entre os dois gigantes desenvolvimentistas asiáticos, a Índia e a China. Daí a corda dada (bilhões de US$) ao projecto de Dalai Lama de constituição de um “Grande Tibete”, como já citado, incluindo territórios hoje pertencentes a China, a Índia e ao Nepal e a um custo político cujos cálculos mereceriam ser feitos. Não se trata de vazão a teorias conspiratórias ou coisa do tipo. A realidade está aí a nos estatelar com os exemplos de Kosovo e da região da “meia-lua” boliviana, dois lugares onde a inteligência e diplomacia norte-americanas trabalham de forma incessante. Que me provem o contrário.

Neste sentido, Domenico Losurdo faz-nos saber de um intrigante comunicado enviado ao então presidente dos EUA, Truman no ano de 1947, pelo então encarregado dos negócios dos EUA em Nova Délhi, George Merrel, para quem chama a atenção acerca da “inestimável importância estratégica” da região – teto do mundo: “(...) o Tibete pode, portanto, ser considerado um bastião contra a expansão do comunismo na Ásia ou, pelo menos, como uma ilha de conservadorismo num mar de desordens políticas. (...) o planalto tibetano (...) em época de guerra de mísseis, pode revelar-se o território mais importante de toda a Ásia” (8).

Aprendemos em filosofia marxista que o todo é reflexo do concreto, que por sua vez pode ser dividido em partes. Mais, na parte em sua essência o todo pode ser perfeitamente observado. Assim, para quem trabalha munido da verdade demonstrada pela história, deve antes de tudo, reflectir em primeiro lugar se o imperialismo se demoveu de seus interesses estratégicos na Ásia, do qual o Tibete é parte (vejamos o tratamento dispensado recentemente por Bush e o Congresso dos EUA a Dalai Lama) e em segundo lugar, se da mesma forma como no final da década de 1950, os ocorridos recentemente em Lhasa não são casáveis com os interesses norte-americanos na região, que envolve a contenção da China pela rota da ocupação do Afeganistão e o Iraque. Impossível melhor localização geográfica que o Tibete para produzir transtornos ao governo popular de Pequim. E dentro da China.
Cultura e avanços sociais
Muita gente honesta, de esquerda inclusive, poderá aludir a bandeira da presença no Tibete de uma questão nacional, centrada na necessidade da preservação cultural e da identidade nacional tibetana que poderá incluir o direito ao Tibete de gozar de independência. Em primeiro lugar em resposta a este tipo de questão que poderá ser aludida nalgum momento, os defensores da soberania chinesa sobre aquela região deverão reconhecer que inúmeros abusos foram cometidos contra as características culturais tibetanas – principalmente em afronta a seus traços mais obscurantistas – durante a Revolução Cultural (1966-1976). Mas é bom salientar que, quem esteve à frente das turbas juvenis durante esta horrível página da história da república popular, foram guardas vermelhos de nacionalidade tibetana.

Não resiste à prova empírica a “denúncia” feita por Dalai Lama no último domingo (15/03) acerca de um genocídio cultural no Tibete. A bem da verdade toda uma política afirmativa pro-tibetana está em curso na região desde 1990, momento este em que se instituiu a obrigatoriedade de o governador (que era da etnia han até 1990), ser de nacionalidade tibetana, 70% dos funcionários públicos idem, o bilinguismo foi recentemente introduzido e estimulado, com clara preferência pela língua tibetana, e a construção da primeira linha ferroviária ligando o Tibete ao resto do país, trouxe novo fôlego económico à região. Segundo Duarte Pereira, “Hoje quem visita o Tibete, pode ver por toda a parte os estandartes com sutras e os nichos com imagens sagradas. Existem 46 mil monges e freiras, cerca de 2% da população, e aproximadamente 1700 mosteiros religiosos foram recuperados. A tradição secular dos festivais religiosos foi retomada, e um grande movimento editorial vem publicando as escrituras sagradas e a literatura religiosa do budismo, nalguns casos pela primeira vez. A célebre epopeia tibetana do rei Gásar, foi recolhida da tradição oral e está sendo publicada pela primeira vez em vários idiomas” (9).

Um longo ensaio poderia ser feito para descrever os avanços sociais obtidos no Tibete nos últimos 50 anos, pronto para escancarar as diferenças entre uma teocracia esclavagista, apoiada pelos imperialismos britânico e norte-americano, em contraponto à democracia popular posta em prática na região: os seus analfabetos deixaram de ocupar 90% da sua população para menos de 20% em 2005; não existiam escolas públicas de primeiro ou segundo grau em 1950, hoje existem mais de 3.000; não existiam universidades, hoje conta com uma universidade e três grandes centros de pesquisas; não existiam direitos das mulheres, hoje elas ocupam cerca de 20% do funcionalismo público e 28% das vagas oferecidas na universidade. A população tibetana dobrou no período entre 1950 e 1990, fruto – também – de um aumento da expectativa de vida que variou de 35 anos em 1950 para 65 anos em 1990 (10).

Repito mais uma vez: Nada disso interessa ao status quo internacional actual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.

Progresso versus retorno à Idade da Pedra

Não precisa ser militante comunista ou nutrir alguma simpatia pela China para perceber que longe da soberania chinesa, nenhum avanço económico, social e político, seria possível num país com as características sociais e geográficas como o Tibete. O caso da Índia é muito instigante: nem um crescimento robusto nos últimos 20 anos tem sido capaz de mudar a situação de milhões de párias sociais, nem garantir que quase 50% de sua população deixe de inflar os dados sobre analfabetismo no país.

A questão reside no fato de que a “lei do desenvolvimento desigual e combinado” teria o efeito de uma bomba, se o Tibete se tornasse um país independente. O Tibete é um país cuja maioria de sua população ainda vive de actividades primárias e na linha da sobrevivência. Citada lei (do desenvolvimento desigual e combinado) só pode ter proscrição nos quadros de um planeamento nacional e transferências centro versus periferia no interior do país, como na URSS dos primeiros planos quinquenais e a China de hoje.

A independência da região não garantiria a drenagem de bilhões de US$ em obras infra-estruturais hoje proveniente do governo central, afora outro montante de investimentos em variegados sectores como o da geração de energia eólica e o turismo. Seguramente, a independência do Tibete seria a senha ao retorno da região à Idade da Pedra, como ocorreu em diversas localidades da extinta URSS, África e América Central pós-Consenso de Washington (década de 1990).

Continuidade do progresso e afirmação nacional decorrentes de tal, ou um retorno à Idade da Pedra afiançado pelo imperialismo, eis o dilema tibetano.

Finalizando, a “mão invisível do mercado” ou algum “hedge fund” teria condições de alçar o progresso social e material de uma localidade como o Tibete, longe da soberania chinesa? Algum monge profeta de uma futura “independência do Tibete” ou qualquer intelectual orgânico do status quo reinante ou algum (a) jornalista brasileiro correspondente na China aceitariam enfrentar este debate? Alguma consideração fora das palavras de ordem ditadas em algum “instituto de estudos chineses” ou em redacções dos jornalões do imperialismo, ambos localizados no centro do sistema?
19 DE MARÇO DE 2008 - 19h05

Notas:

(1) Sobre este projeto do “Grande Tibete”, ler: GOLDSTEIN, Melvin: “The Dalai Lama`s Dilenma”. In, Foreign Affairs. January/February, 1998. pp. 83-97.
(2) LOSURDO. D. “Fuga da História?”. Editora Revan, 2004, p. 171. Losurdo baseia-se em dados contidos em: KNAUSS, John Kennedy: “Orphan of the Cold War. America and Tibet Struggle for Survival”. Political Affairs. New York, 1999. A fonte é insuspeita, pois Knauss foi agente da CIA com grande folha de serviços prestados na Ásia.
(3) GYAINCAIN. N. & JIAWEI, W.: “The Historical Status of China’s Tibet”. China Intercontinental Press. Beijing, 1995.
(4) PEREIRA, Duarte: “A polêmica sobre o Tibete”. In, LIMA, Haroldo (org.): “China: 50 anos de República Popular”, Anita Garibaldi, 1999, p. 105.
(5) Idem, p. 100.
(6) Ibidem, p. 101.
(7) GYAINCAIN. N. & JIAWEI, W.: “The Historical Status of China’s Tibet”. China Intercontinental Press. Beijing, 1995, p. 112.
(8) LOSURDO. D. “Fuga da História?”. Editora Revan, 2004, p. 170.
(9) PEREIRA, Duarte: “A polêmica sobre o Tibete”. In, LIMA, Haroldo (org.): “China: 50 anos de República Popular”, Anita Garibaldi, 1999, p. 108.
(10) Idem, p. 108 e Tibete Statistical Yearbook para todos os anos.
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=34399

*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.

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