sábado, 17 de maio de 2008

A Globalização Neoliberal Não É O Problema

por Rick Wolff [*]


O capitalismo é.
As pessoas de esquerda que têm como alvo a globalização neoliberal denunciam a privatização, os mercados livres, a mobilidade sem peias do capital e as desregulamentações governamentais da indústria. Elas propõem, como alternativa, que governos nacionais ou supra-nacionais controlem e regulem transacções de mercado e especialmente movimentos de capital, aumentem impostos sobre os lucros e a riqueza, e até mesmo possuam e operem indústrias. "Tudo nos interesses do povo", dizem elas, democraticamente.

Mas a crítica de Marx ao capitalismo nunca teve como foco regulamentações governamentais e indústrias de propriedade estatal. Isto nunca foi a sua solução para os custos, injustiças e desperdícios do capitalismo. Ao invés disso, Marx apontava e enfatizava a "estrutura de classe" da produção no capitalismo. Com isto referia-se ao modo como as empresas produtivas eram organizadas internamente: minúsculos grupos de pessoas (conselhos de administração) que se apropriavam de uma porção – o "excedente" – daquilo que os trabalhadores produziam e a empresa vendia. Marx definiu tal apropriação do excedente como "exploração". E, como disse Marx, a exploração capitalista pode existir quer aqueles apropriadores sejam conselhos de administração corporativos (capitalismo privado) ou responsáveis estatais (capitalismo de Estado).

Marx opôs-se à exploradora estrutura de classe da produção no capitalismo nos planos político, ético e económico. Ele preferia uma alternativa comunista onde trabalhadores produtivos funcionassem como os seus próprios conselhos de administração, apropriando e distribuindo colectivamente os excedentes que produzissem. Igualdade e democracia, argumentou ele, exigiam a abolição da exploração como condição necessária para a sua realização.

O capitalismo como sistema sempre e por toda a parte atravessou fases, guinadas repetidas entre duas formas alternativas. O capitalismo privado é a forma neoliberal, "laissez-faire": a intervenção do governo em assuntos económicos é minimizada, e os indivíduos e negócios interagem em grande medida através de trocas voluntárias no mercado. A outra forma é a estatal-intervencionista, "social-democrata", o capitalismo do Estado Providência: o governo administra a economia através da regulamentação daquilo que os capitalistas privados podem fazer ou, alguma vezes, até assumindo o comando das suas empresas a fim fazer com que as decisões dos negócios fiquem em linha com as decisões governamentais.

A cada poucas décadas, todo país capitalista, seja qual for destas duas formas que tenha estado em vigor, entra em sérias dificuldades económicas. Trabalhadores perdem empregos, rendimentos declinam, empresas falem, e assim por diante. Levanta-se então o clamor do "alguma coisa tem de ser feita". Aqueles que sentem sofrimento mínimo e ganham bom dinheiro preferem deixar a forma existente de capitalismo corrigir-se por si própria. Aqueles mais feridos e que perdem dinheiro pedem mais mudanças drásticas. Quando este segundo grupo prevalece politicamente, a forma existente de capitalismo é finalizada e instalada a outra. Umas poucas décadas mais tarde o mesmo drama é representado ao contrário.

Quando um próspero capitalismo privado nos EUA chocou-se contra um muro de pedra em 1929, o país comutou para o capitalismo do Estado Providência (welfare-state). Quando as décadas de 1960 e 1970 produziram crise naquele capitalismo do Estado Providência, o país comutou outra vez para o capitalismo privado (neoliberalismo). Agora, depois de trinta anos de capitalismo privado globalizado provocar a proliferação de dificuldades, demasiada gente de esquerda aderiu ao coro dos que vêem como única solução uma outra guinada para capitalismo do Estado Providência. O legado de Coolidge e Hoover foi derrubado pelo coro de FDR. O legado do New Deal foi derrubado pelo coro de Ronald Reagan. O legado de Reagan-Bush pode agora ser derrubado pelo de Clinton, Obama, et alii. Tais reversões de fase entre as duas formas de capitalismo ocorrem quase por toda a parte, variando apenas com as condições e a história particular de cada país.

Como formas, o capitalismo privado e de Estado são oscilações de fase do sistema capitalista. Quando uma fase não pode resolver os seus problemas, a solução tem sido uma comutação para a outra fase. Assim, as crises de capitalismo até então evitaram provocar a solução alternativa de uma transição para fora do capitalismo. Mas aquela transição era precisamente o objectivo de Marx. Ele pretendia persuadir os trabalhadores que as oscilações entre capitalismo de Estado e privado não eram as melhores soluções para os fracassos do capitalismo, pelo menos não para os trabalhadores.

Muita gente de esquerda de hoje cataloga os terríveis resultados de 25 anos de domínio neoliberal: crises económicas e sociais agravando cada vez mais profundamente desigualdades de riqueza, rendimento e poder por todo o lado e dentro da maior parte dos países. Eles mencionam a explosão de bolhas de investimento, explosões de dívidas insustentáveis, mercados de crédito em colapso, ameaças de recessão, desmoronamento de serviços sociais, produção de mercadorias inseguras, e assim por diante. Eles propõem "soluções": que governos – nacionais ou talvez agora supranacionais – devem ser relembrados, por um levantamento democrático, do seu próprio papel. Os governos deveriam limitar, controlar, regular ou substituir empresas capitalistas privadas no interesse do povo.

Este modo de pensar repete os erros da esquerda na década de 1930. Então, quando o capitalismo privado havia implodido na Grande Depressão, a deterioração das condições voltou a maior parte dos americanos contra as preferências do Republicano Herbert Hoover e a favor do Democrata FDR. Uma nova era de intervenção económica governamental ganhou o nome de Teoria Económica Keynesiana. Contudo, o keynesianismo do New Deal sempre manteve no lugar os conselhos de administração das corporações capitalistas que dominavam a economia dos EUA. Aqueles conselhos permaneceram como os receptores do excedente produzido pelos seus trabalhadores – os "lucros" das corporações. Eles utilizaram aqueles lucros para fazer crescer as corporações, fazer ainda mais lucros, pagar salários mais altos aos responsáveis de topo, influenciar a política, e assim por diante.

O capitalismo do Estado Providência nos EUA agravou impostos, regulamentos e limites – e alternativas de emprego em massa – para aquelas corporações privadas. Mas ao deixar os seus conselhos de administração no lugar como receptores e distribuidores de lucros corporativos, o Estado Providência assinou a sua própria sentença de morte. Os conselhos de administração tinham o desejo e os meios para desfazer o Estado Providência. Custou-lhes apenas um momento mudar a opinião pública e construir um rico e poderoso movimento liderado pelos negócios a fim de alcançar seus objectivos. Na administração Reagan e desde então, potenciado por uma crise do Estado Providência nos anos 1960 e 1970, eles tiveram êxito em mudar os EUA e além disso retroceder a uma fase do capitalismo privado a que chamamos "globalização neoliberal".

Compreensivelmente, muitas pessoas não podem ver além das duas fases do capitalismo ou dos debates, lutas e transições entre elas. Mas a gente de esquerda que não vê mais além – que critica a globalização neoliberal e advoga um requentado keynesianismo do Estado Providência – abandonou o projecto crítico anti-capitalista de Marx. Elas tornaram-se apenas um outro coro para mais uma oscilação de retorno para a forma de capitalismo do Estado Providência.

As classes trabalhadoras precisam e merecem algo melhor do que isso, agora mais do que nunca.

[*] Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts - Amherst. Autor de numerosos livros e artigos , incluindo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff041207.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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