segunda-feira, 24 de março de 2008

Evolução do PC Chinês

Evolução Programática e Democracia Interna no PCC

por Elias Jabbour*

Em oportunidade anterior discorri sobre os avanços e a formatação de uma democracia com características da chinesa. Porém, para grande parte dos especialistas mudanças nas formas de representação política na China passam, de forma necessária, por mudanças no seio do próprio partido governante.

Por outro lado, é visível a transformação do PCC; transformação tal que acelerou na década de 1990, cuja cristalização podemos observar no mandato da actual geração dirigente nucleada por Hu Jintao. Não é de somenos, determinadas mudanças em andamento, pois velhos hábitos e formas de angariar representatividade – no âmbito do PCC – estão sofrendo grandes alterações, em clara consonância com transformações na estrutura social do país.
Encontro programático com o Kuomintang

O primeiro ponto que destaco é a transformação ideológica do PCC na década de 1990, momento este marcado pela
Derrocada da primeira grande experiência socialista, a URSS e pelo recrudescimento em todos os campos do imperialismo, inclusive para com a China. Exemplo deste recrudescimento pode ser a interferência norte-americana nos episódios de Junho de 1989 em Pequim, as consequentes sanções económicas impostas a China pelo G-7 e a negativa de sediar os jogos olímpicos de 1996.

Sob o escopo das relações internacionais, essa viragem, numa relação tida como “virtuosa”, nas relações entre os dois países serviu, de um lado para desacumular as disputas estratégicas envolvendo China e EUA e por outro, levou à China a uma grande guinada nas suas relações exteriores, voltando-se a uma campanha internacional levada por diante pela diplomacia chinesa com o objectivo de demonstrar os interesses reais e pacíficos do regime. O sucesso desta política pode ser aferido pela vitória da China na disputa pela sede das olimpíadas de 2008 e na sua crescente capacidade de intervenção financeira externa, principalmente em África.

Internamente, dada a derrota estratégica do projecto socialista no âmbito mundial, o PCC num processo lento e gradual, foi-se aproximando do projecto político inicial do Kuomintang de Sun Yatsen. Acredito que em nenhum momento da história do PCC, a ideia de um partido de carácter nacional fora abandonado, muito pelo contrário. A questão é que durante a Guerra Fria, na medida em que socialismo e capitalismo disputavam a hegemonia do mundo, sendo que tal disputa ganhava contornos sangrentos na Ásia, o PCC exteriorizou muito mais os seus contornos vermelhos que os nacionais propriamente ditos.

A ameaça externa em duas frentes (contra URSS e EUA), e a grande influência exercida pelas ideias igualitaristas das milenares comunidades agrárias do país, levou o PCC a uma caçada cruel a tudo que se relacionasse a “capitalismo”; eis uma quase negação – imposta por uma conjuntura externa hostil – do espírito da “Nova Democracia” (“democracia popular” nas palavras de Dmitrov e Staline) fundada em 1949, em que a própria bandeira chinesa é símbolo da união em torno do PCC (estrela maior) das “quatro classes” protagonistas da revolução (as estrelas menores: proletariado, camponeses, burguesia nacional e pequena burguesia).
Desenvolvimento e questão nacional

Juntamente com as mudanças na ordem internacional, outros três factores se somam à corroboração da retoma da ideia de um partido nacional, a saber:
1) a premência da solução de questões pendentes como a de Hong-Kong e Taiwan;
2) a indispensabilidade dos capitais da “diáspora chinesa“, assentes no sudeste asiático, ao projecto de modernização e,
3) o próprio projecto de modernização em si, indispensável às aspirações de renascimento da nação chinesa e da manutenção do status quo do PCC, num mundo marcado pelo rápido desenvolvimento das forças produtivas.

A modernização chinesa não poderia ir adiante sem a retoma do velho espírito empreendedor do seu camponês médio, o que redundaria, no futuro (hoje), na transformação de vastas gamas do seu campesinato em “capitalistas” com grande capacidade de acumulação, e consequentemente, com grande papel político e social. Tal papel político e social ganha tamanho num país único como a China, onde a manutenção do monopólio do poder estatal por uma única força política, depende de respostas rápidas a problemas imediatos, como, por exemplo, o da geração de 10 milhões de empregos anuais. A solução de problemas desta ordem, infelizmente, não pode ser encontrada em nenhum “cânone” marxista. Logo, a realidade concreta é que pauta respostas, não a vontade humana.

Esta chamada por Marx de “via revolucionária” de transição feudalismo – capitalismo, caracterizada pela transformação de pequenos proprietários em capitalistas e muito bem explorada por Maurice Dobb nos debates com Paul Sweezy, é a base de uma explicação mais séria das razões que cercam o crescimento longo e volumoso da China.

As “Três Representações”

No que concerne à China, não temos o direito de fazer uma análise estática ou simplesmente movida por combustíveis ideologizados, que invariavelmente tendem a uma grande pauperização teórica e metodológica. A grande verdade é que a sociedade chinesa transformou-se completamente nos últimos 30 anos, de uma sociedade pautada pela “túnica azul” e uma “tigela de arroz”, para outra, encaminhando-se rapidamente para padrões de consumo que vão desde o sonho do carro importado pelas classes mais abastadas, até à capacidade um simples trabalhador poder possuir bens de consumo não-duráveis.

De todo esse processo, emergiram milhares de contradições já expostas por mim em oportunidades anteriores; uma grande massa de cientistas com grande status social devido à centralidade da questão científica e tecnológica pós-1978, trabalhadores urbanos e camponeses em pé-de-guerra para fazer valer os seus direitos, e um Estado de Direito em formação em contraposição às leis originadas da mente de um único “grande e iluminado líder”. Contra o verdadeiro “parto” que era a substituição de lideranças em partidos leninistas, Deng Xiaoping impingiu com sucesso a ideia de “geração dirigente” com mandato de 10 anos, cujo núcleo deveria ter toda uma folha de serviços prestados ao país e ao partido. Um verdadeiro salto de qualidade. Como, em algum momento, diz Amaury Porto de Oliveira, “esses líderes não são eleitos em sufrágio universal, mas tampouco são usurpadores do poder”.

Característica desta ideia de “geração dirigente” está na elaboração de signos que sintetizam desafios imediatos e estratégicos, e que servem de parâmetro para alocação de unidade partidária em torno do núcleo. Entre estes signos podemos destacar o “pensamento de Mao Tsetung”, a “teoria de Deng Xiaoping de construção do socialismo com características chinesas”; as “Três Representações” elaboradas por Jiang Zemin, núcleo da terceira geração e a encampada por Hu Jintao – o “conceito científico de desenvolvimento”. Tratam-se, inclusive, no dizer dos chineses, de sucessivas adaptações do marxismo à realidade concreta da China.

O que nos toca hoje é alocar a ideia das “Três Representações”. As “Três Representações” indicam que o PCC deve ser:
1) representante do que exige o desenvolvimento das forças produtivas avançadas;
2) do rumo pelo qual há-de marchar a cultura avançada na China e,
3) dos interesses fundamentais das mais amplas massas populares. Por outras palavras, busca adaptar o programa mínimo do PCC com a metamórfica estrutura social do país. Busca-se, neste momento, com o encampamento deste corpo teórico, colocar sob o guarda-chuva do PCC, não somente os operários, camponeses e intelectuais, mas também todo um corpo empresarial surgido com as reformas de 1978. Um verdadeiro alargamento da base social do PCC, numa clara alusão às políticas “bismarckianas” de busca de paz interna ao combate externo. Também pode significar um retorno ao programa da Nova Democracia anunciado por Mao Tsetung em 1948, no recém-formado Conselho Consultivo Político do Povo Chinês (CCPPC).

O PCC e o alargamento da democracia interna

Um processo de transição no rumo de uma democracia formal na China deve-se basear, a nosso ver, facilitando a expansão da base material da nação, de forma que todos os interesses internos das diferentes composições sociais do país sejam contemplados. Por outro lado, como foi dito, a retoma da ideia do PCC como um “partido nacional”, que vislumbra estrategicamente a consecução do socialismo e do comunismo, é parte do conjunto que envolve a porosidade social do país. Enfim, o próprio PCC, internamente está em grande processo de transformação.

Como foi citado no início do artigo, há quem acredite que uma reforma interna no PCC, guarda maior significado que experimentações de sufrágios ao nível de base. A primeira transformação que salientamos, está no facto de Hu Jintao ser o primeiro secretário-geral dom PCC que não conta com maioria no âmbito do Bureau Político do PCC, o que não é pequena coisa, significando que inexiste a possibilidade de acomodação no cargo sob o preço de um linchamento político de grande envergadura. Isso também tem consequência directa na vida do PCC, que dados os imensos desafios encetados no horizonte imediato do país, é incentivado a maiores discussões internas Neste sentido, também se verificam mudanças no quotidiano do partido: de uma organização de listas prontas e fechadas, a um partido político decidido a sacudir as teias de uma militância acostumada a determinados hábitos políticos.

Interessante é o fato de o último Congresso Nacional do PCC ter sido o primeiro em que houve número de candidatos apresentados a ocupar as cadeiras do comité central, maior que as vagas disponíveis; 15% dos candidatos a delegados ao Congresso foram rejeitados, e entre 2006 e 2007, 296 cantões de 16 províncias colocaram – como parte de um projecto de experimentação – os chefes locais do PCC a serem votados, o que significa uma verdadeira prova de fogo a determinadas lideranças locais (1).

Enfim, o futuro ainda guarda grandes transformações, que em sua devida hora merecerá uma observação mais atenta por parte dos analistas.

Nota:

(1) Thornton, John: “Long Time Coming – The Prospects for Democracy in China”. Foreign Affairs. Vol. 87, n° 1. January/February 2008.

Via: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=33968

Sem comentários:

Contribuidores