domingo, 24 de agosto de 2008

SNS - Exclusividade Ou Apenas Dedicação

Manuel J. Antunes
professor catedrático
director de serviço dos Hospitais da Universidade de Coimbra


De repente, pareceu-me ver uma luz ao fundo do túnel… O Ministério da Saúde anunciava a intenção de implementar a dedicação exclusiva dos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Há mais de 20 anos que venho a pugnar por essa medida. Estou convicto de que nela reside um importante factor de melhoria de produtividade, de que o nosso SNS muito necessita. Assim o concluiu a maior parte dos serviços de saúde públicos dos principais países europeus, como também o parecem ter decidido os operadores das instituições privadas recentemente criadas no nosso país.

Efectivamente, o regime típico de part-time da maior parte dos médicos do SNS não favorece a sua rentabilidade. Um horário de 35 horas, incluindo 12 para serviço de urgência, deixa aos médicos pouco mais de quatro horas diárias para as tarefas de rotina. Salas de operação a funcionar apenas quatro ou cinco horas por dia são duplamente onerosas. E o mesmo se pode dizer, embora em escala diferente, das consultas externas, que, geralmente, funcionam apenas cinco manhãs por semana.

Por outro lado, a ênfase agora posta nos níveis intermédios de gestão, com uma maior autonomia e responsabilização dos serviços, faz com que seja impossível conduzi-los com eficiência sem que todo o pessoal médico, e o próprio director, trabalhe, em dedicação plena, as 42 horas semanais.

Finalmente, a divisão da actividade dos médicos pelos sectores público e privado é susceptível de originar conflitos de interesse, sendo certo que quanto maior e melhor for a produção no público tanto, menor será o número de doentes que ocorrerá ao privado, de onde as suas expectativas de ganho serão diminuídas. Acresce que o duplo emprego é gerador de irracionalidades na distribuição do tempo de trabalho e de subutilização das estruturas do sistema. Por isso, os directores de serviço deveriam ser os primeiros a conquistar para um tal regime. Há evidência de que esta opinião é partilhada por um número cada vez maior de médicos, especialmente entre os mais novos, embora seja rejeitada pela Ordem dos Médicos, com o argumento principal de que os médicos devem ser livres de fazer o que entenderem do seu próprio tempo. Argumento que até eu sou capaz de aceitar e, por isso, prefiro deixar cair a estafada designação de exclusividade e adoptar a de dedicação plena (ou total, como referida na legislação dos centros de responsabilidade). Isto é, colocando maior ênfase no tempo dedicado ao hospital e relegando para lugar secundário saber o que se faz quando se está fora dele, sem deixar de separar as águas, sendo evidente que há que evitar a autocompetição. Logicamente, um tal estatuto não pode ser imposto a curto prazo aos que actualmente se encontram em funções. Pelo contrário, teria de ser um projecto de médio a longo prazo (pelo menos seis a dez anos), o que não impede que pudesse ser aplicado no imediato aos que a partir de agora entrem no SNS, bem como aos que por qualquer razão, incluindo por promoção, venham no futuro a modificar o seu estatuto actual. Acena-se com o fantasma da debandada geral para o sector privado, esvaziando o público dos seus melhores elementos. Mas, como é óbvio, tal só aconteceria se o privado tivesse a capacidade de os absorver a todos, o que, claramente, não tem. Mas é evidente que, se se quiser fixar os médicos ao hospital, o novo estatuto teria de ser apoiado por melhorias significativas das condições de trabalho, remuneratórias e outras. Disse a ministra que o SNS não está (ainda) preparado para tal. Se é ao problema económico que se refere, estou em crer que a resultante contracção significativa dos quadros acabaria por minimizar eventuais alterações dos custos, adicionalmente contrabalançada pela melhoria da produtividade e redução do desperdício. Mas afinal, segundo as declarações da própria ministra, não se trata de uma decisão firme, apenas de um balão de ensaio lançado para a discussão com os parceiros sociais, que, obviamente, não parecem inclinados a aceitá-lo. Um balde de água fria! O estatuto de exclusividade, instituído em 1988, foi desde sempre utilizado de forma perversa, sem se ter tido o cuidado de controlar o respectivo impacto na produtividade. O exemplo típico é o do médico em fim de carreira, que passa ao regime de exclusividade a um par de anos da aposentação, com o fim único de aproveitar as vantagens financeiras na respectiva pensão. É a completa deturpação da sua finalidade. Se se quiser melhorar o sistema, tem de se ter a coragem de o modificar radicalmente. A dedicação plena virá. Inevitavelmente. Espero que não muito tarde… |

Via: http://dn.sapo.pt/2008/08/24/opiniao/exclusividade_apenas_dedicacao.html

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